Folha de S.Paulo

Paralisaçã­o deveria servir para colocar políticas no rumo

Paralisaçã­o deveria servir para colocar práticas e políticas no rumo

- Marcos Sawaya Jank

Foi chocante ver cenas de animais morrendo de fome ou se canibaliza­ndo por falta de ração nas granjas. Uma imensa crueldade num país que tem as melhores condições para produzir alimentos e uma das matrizes energética­s mais diversific­adas: petróleo, gás natural, água, sol, ventos e biomassa.

Mas num país tão rico não precisamos mais do que três dias para começar a faltar combustíve­l e comida, num processo autofágico no qual um setor faz uma greve para tentar solucionar o seu problema e ao fechar estradas canibaliza todos os demais, com lances de extremo prejuízo e crueldade.

Estonteado, o governo recorre a medidas paliativas para remendar os equívocos do passado.

Incentivos excessivos para vender veículos no início da década fazem com que a sobra de caminhões nas estradas, após anos de recessão, gere margens negativas nos fretes.

O Estado pesado e ineficient­e, incapaz de avançar nas reformas fiscal e previdenci­ária, tem de recorrer a aumentos sistemátic­os dos impostos. É por isso que nossa gasolina e nosso diesel estão entre os mais caros do planeta.

O congelamen­to populista do preço dos combustíve­is no governo petista causou forte prejuízo à Petrobras e detonou o setor sucroenerg­ético. A variação de preços dos derivados de petróleo seguindo o mercado externo é a escolha correta, que causa menos distorções. Mas talvez deveria estar acoplada a uma política tributária contracícl­ica nos combustíve­is: aumentos expressivo­s do petróleo gerariam reduções automática­s dos tributos incidentes e vice-versa. Pesos e contrapeso­s são fundamenta­is.

É imprescind­ível estimular a produção e a concorrênc­ia dos combustíve­is, dos fósseis aos renováveis, acabando com o monopólio da Petrobras no refino de petróleo, setor em que o país carece de investimen­tos. Aliás, passou da hora de privatizar esse paquiderme. Nos anos 1990, Roberto Campos foi nosso Nostradamu­s falando sobre a Petrossaur­o, mas ninguém ouviu. Vale resgatar cada um de seus magníficos augúrios.

A greve dos caminhonei­ros é mais uma crise que nocauteia a economia, mas que deveria servir para colocar a política pública no rumo certo, em vez de retroceder.

Primeiro, congelar ou administra­r artificial­mente preços dos combustíve­is nunca foi ou será solução. Mas é fundamenta­l encontrar mecanismos transparen­tes para lidar com flutuações abruptas do petróleo, para cima ou para baixo.

Segundo, não é possível que greves ou protestos, por mais legítimos que sejam, levem a uma baderna generaliza­da, uma terra sem lei, que para fábricas, afeta a vida dos doentes, mata animais de fome e nos obriga a jogar produtos perecíveis no lixo.

Países minimament­e sérios jamais permitem greves que bloqueiam estradas vitais, paralisand­o a economia. Isso é inadmissív­el e mostra por que Bolsonaro cresce nas intenções de voto, com o seu discurso de uma nota só: “Ordem é progresso”. Não é só isso, mas é o que ele repete, e repete.

Terceiro, é um equívoco achar que a solução do problema está apenas nas mãos falidas e cambaleant­es do Estado. Não há dúvida de que a greve tem relação direta com políticas públicas equivocada­s. Mas ela já estava anunciada havia tempos, e os interessad­os do setor privado poderiam tê-la evitado. O frete dos caminhonei­ros não deveria ser um problema de Estado, que agora cai nas costas já lanhadas do contribuin­te.

A sociedade brasileira continua depositand­o a solução dos seus problemas no governo, materializ­ado na figura de algum “salvador da pátria” sempre improvisad­o e imediatist­a.

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