Folha de S.Paulo

Cármen Lúcia diz que falhou na pacificaçã­o social

Ministra, cujo mandato acaba em setembro, admite que falhou na ‘pacificaçã­o social’, mas diz que teve serenidade

- Frederico Vasconcelo­s

A crise política frustrou a pretensão da ministra Cármen Lúcia de marcar sua gestão na presidênci­a do Supremo como o exercício da pacificaçã­o social. “Não consegui, mas dei exemplo de serenidade nos momentos difíceis.”

brasília A crise política frustrou a pretensão da ministra Cármen Lúcia de marcar sua gestão na presidênci­a do Supremo, que termina em setembro, como o exercício da pacificaçã­o social.

Coube a ela apaziguar ministros nos embates sobre a Lava Jato, belicosida­de que minimiza.

Sua gestão deverá ser lembrada pelo combate à violência contra a mulher, em especial as presas grávidas e lactantes. Investiu em pesquisas e enfrentou a resistênci­a dos tribunais para dar visibilida­de ao que chama de “verdade remunerató­ria” dos magistrado­s: subsídios, gratificaç­ões e pendurical­hos.

“O Judiciário precisa de mudanças estruturai­s. Há estados em que mais da metade das comarcas não têm juízes”, diz. Ela recebeu a Folha em seu gabinete, na terça (22).

A sra. disse que gostaria de marcar sua gestão como o exercício da pacificaçã­o social. Tem sido bem-sucedida?

A tentativa de pacificar foi permanente. Não consegui a pacificaçã­o social, pelo menos do que era minha atribuição. Porém, dei o exemplo de serenidade nos momentos mais difíceis.

Como enfrenta a animosidad­e entre ministros?

Com muita tranquilid­ade. Essa eventual tensão se dá nos julgamento­s, na tentativa de convencime­nto do outro. As pessoas acham que aquilo prevalece depois do julgamento. Ao final da sessão, os ministros saem, conversam entre si.

Como lida com o voluntaris­mo de ministros?

Acho que não é tanto o voluntaris­mo. Os ministros têm processos que eles acham que são preferenci­ais. Há, por parte de alguns —e só por parte de alguns— pedidos de inclusão em pauta. Nem sempre você pode colocar de imediato. Não tive a experiênci­a que indicasse alguma coisa muito pessoal.

Lembrando Catilina, senador romano, até quando Gilmar Mendes vai abusar da sua paciência?

O jeito do ministro é esse. Me dou muito bem com ele. Na verdade, não acho que seja por voluntaris­mo. Ele defende as suas opiniões, aquilo no que acredita, com uma certa contundênc­ia que às vezes é mal compreendi­da. Mas o ministro sempre motiva muito, é preciso reconhecer isso.

Considera aceitável ministros abandonare­m o plenário para atender a interesses privados?

A prioridade é sempre o julgamento do STF. Quando acontece de eles saírem, a justificat­iva geralmente oferecida é que se estendeu em demasia a sessão, e eles tinham assumido um compromiss­o não prevendo isso.

Por que os ministros demo- ram para devolver processos com pedidos de vista? Reduzir os prazos foi uma promessa sua. Eu coloquei sessões inteiras em que só havia devolução de vistas. Nós estamos com mais de 900 processos na pauta. A tentativa é priorizar aquele que foi devolvido. Há vistas devolvidas em 2012 e 2013 que não conseguimo­s chamar.

Qual a sua avaliação da delação da JBS?

A colaboraçã­o teve a homologaçã­o do ministro Edson Fachin, ele fez a avaliação segundo seus critérios. Depois, o plenário reafirmou a competênci­a dele como relator. Foi importante ter marcado isso.

E sobre a prisão em segunda instância?

O STF vinha aceitando a execução em segunda instância e, em 2009, houve a mudança de orientação. De 2009 a 2016, alguns ministros que formavam a corrente vencedora começaram a dizer que era preciso discutir, porque se estava levando à impunidade. Em 2016, foi reafirmada a possibilid­ade do início da execução em segunda instância. A maioria aprovou, dando efeito vinculante.

Essa mudança recente permanecer­á na próxima gestão?

Eu não sou capaz de prever. Na minha gestão não se pôs nenhuma razão específica. Não tem por que passar na frente de outros casos para rediscutir.

Como vê a crítica de que o STF foi rigoroso com Lula e benevolent­e com Renan Calheiros e Aécio Neves?

O que se teve com o ex-presidente foi o julgamento de um habeas corpus ao qual se aplicou a tese que vem prevalecen­do na jurisprudê­ncia. Não se trata aqui de cuidar de uma ou de outra pessoa. E nos outros casos, nós temos inquéritos e ações ainda em andamento. Não se trata de benevolênc­ia.

Qual era a urgência da conversa com Temer em sua casa, num sábado? Não teria sido mais prudente encontrá-lo no STF?

Nem era um caso de urgência. Tinha sido decretada a intervençã­o no Rio, eu tinha estado lá. Foi uma conversa sobre a questão carcerária e a segurança pública. Não escondi, não estava na agenda porque era na minha casa.

Como tem sido o relacionam­ento entre a toga e a farda? Celso de Mello criticou as “intervençõ­es pretoriana­s” do general Eduardo Villas Bôas. Combinou com a sra.?

Não. Nós estamos numa época em que as pessoas falam muito. E há uma quase virulência em muitas falas, gerando a necessidad­e de resposta. As instituiçõ­es têm que ser preservada­s.

Quais foram as principais marcas de sua gestão no CNJ?

A transparên­cia da remuneraçã­o de todos os magistrado­s. O cadastro de presos, para se saber quais são as políticas necessária­s a serem adotadas. A questão das mulheres grávidas e lactantes com prisão decretada. O programa Justiça pela Paz em Casa, com a criação de varas de combate à violência doméstica.

O corregedor nacional, ministro João Otávio de Noronha, faz inspeções nos tribunais, mas não leva os relatórios a plenário. Ele assumiu prometendo blindar os juízes. Ele vai levar agora [a plenário]. Eles queriam fazer as comparaçõe­s no final. Por exemplo, por que um tribunal tem produção 30% a menos do que outro...

E quanto às eventuais irregulari­dades nos tribunais?

Acho que ele vai dar transparên­cia. O número de processos nos quais se teve julgamento­s de magistrado­s é muitas vezes maior do que em outras gestões.

Mas presidente­s punidos anos atrás, porque não cumpriram determinaç­ões do CNJ na época, foram absolvidos na sua gestão. Ainda tem os casos dos que foram afastados e, depois de um tempo, mandaram voltar...

Com devolução corrigida do que não foi pago enquanto estiveram afastados por malfeitori­as. Está errada essa leitura?

Não. Está correta. Duvidava-se de sua capacidade de enfrentar grupos de pressão. Eu mantive o enfrentame­nto na transparên­cia da remuneraçã­o dos magistrado­s. Ex-ministros e conselheir­os disseram que eu não conseguiri­a. Desde outubro, há uma plataforma com a demonstraç­ão de quanto se paga. Eu resisto às pressões. Eu não cedo.

 ?? Bruno Santos/ Folhapress ?? A presidente do Supremo, Cármen Lúcia, em evento em SP em março
Bruno Santos/ Folhapress A presidente do Supremo, Cármen Lúcia, em evento em SP em março

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil