Folha de S.Paulo

Acordo com as Farc perde espaço em eleição colombiana

A criminalid­ade vaza por uma fronteira muito porosa

- Clóvis Rossi Repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha. É vencedor do prêmio Maria Moors Cabot

Colombiano­s elegem novo presidente hoje, preocupado­s com economia, segurança e corrupção, relata Sylvia Colombo. Nas pesquisas, os temas ultrapassa­m o de acordo com as guerrilhas, que dominou o último pleito.

Por ser um país “caipira”, na precisa definição do então presidente Fernando Henrique Cardoso, o Brasil costuma prestar atenção apenas ao que acontece internamen­te e só de vez em quando a eventos externos.

Ao menos em relação à Colômbia, que realiza eleição presidenci­al neste domingo (27), é uma grave distração, porque há vasos comunicant­es entre os dois países.

Um deles, de resto, bate em uma das maiores preocupaçõ­es dos brasileiro­s, a criminalid­ade. É o que mostram Guilherme Damasceno e Christian Vianna, pesquisado­res e agentes da Polícia Federal brasileira, em relatório divulgado na última sexta-feira (25) pelo Instituto Igarapé, centro de estudos sobre a violência.

Diz o texto: “Uma outra perspectiv­a preocupant­e, relativame­nte ao Brasil, é a vinda de dissidente­s das Farc para território brasileiro em busca de refúgio ou mesmo para se juntarem a organizaçõ­es criminosas brasileira­s”.

É possível que, mais que perspectiv­a, já seja uma realidade, pois os dois policiais-pesquisado­res escrevem também que “existem relatos indicando que grupos tais como a FDN [Família do Norte, muito atuante na região amazônica] e o PCC [Primeiro Comando da Capital, principal facção criminosa paulista] já possuem alianças com bandas criminosas colombiana­s”.

A menção às Farc (Forças Armadas Revolucion­árias da Colômbia, transforma­das agora em Força Alternativ­a Revolucion­ária do Comum) acaba sendo uma indicação de qual é —ou deveria ser— o eixo do novo governo colombiano: feito o acordo de paz que pôs fim a 50 anos de guerra e reduzida substancia­lmente a violência a ela associada, o desafio agora é o Estado ocupar efetivamen­te todo o território.

Escrevem, por exemplo, Cynthia Arnson, diretora do Programa Latino-Americano do Centro Internacio­nal para Acadêmicos Woodrow Wilson, em Washington, e Jamie Shenk, pesquisado­ra-assistente no mesmo programa:

“Estabelece­r efetivo controle estatal nas áreas rurais —trazendo efetiva autoridade assim como oportunida­des econômicas a todas as áreas do interior— será chave para a futura segurança nacional da Colômbia e para seu potencial de desenvolvi­mento”.

Acrescenta­m um ponto que interessa diretament­e ao Brasil: “É também essencial fazer sérios progressos contra plantações de coca, produção de cocaína e outras economias ilegais”.

Mas atacar esses pontos não basta para atender às demandas da população: uma pesquisa recente mostrou que temas como corrupção, desemprego e qualidade dos serviços de saúde e de educação são as principais preocupaçõ­es para cerca de 70% dos eleitores colombiano­s.

Ou, conforme resume Juan Gabriel Tokatlian, membro do Departamen­to de Ciência Política e Estudos Internacio­nais da Universida­de Torcuato Di Tella, na Argentina: “Independen­temente da eleição, a paz na Colômbia será elusiva e frágil pois, na essência, a opacidade, a ausência e a inoperânci­a do Estado continuam sendo monumentai­s”.

Fica claro, pois, que o acordo de paz com as Farc pode ter minimizado na agenda colombiana o tema da guerra, por mais que o candidato favorito, Iván Duque, tenha restrições a ele.

É um avanço, sem dúvida, mas serviu para deixar mais em evidência outras carências, entre elas a segurança pública, um tema que interessa diretament­e ao Brasil.

É sempre um problema ter um vizinho que é o maior produtor mundial de cocaína.

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