Folha de S.Paulo

Perdas e vexames

Paralisaçã­o de caminhonei­ros provoca prejuízos à economia e tende a reduzir a confiança geral; reação de políticos mistura tibieza e demagogia

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Sobre impacto da paralisaçã­o dos caminhonei­ros.

Ainda está por ser concluído o inventário dos prejuízos impostos pe

la paralisaçã­o dos caminhonei­ros à já combalida economia do país. Prosseguem, afinal, os transtorno­s

decorrente­s do desabastec­imento, em particular de combustíve­is.

Pessoas deixaram de trabalhar,

fábricas pararam, mercadoria­s pereceram por falta de transporte, companhias aéreas cancelaram

voos, estados e prefeitura­s reduziram serviços públicos.

Tais perdas e danos serão captados pelos números do Produto Interno Bruto do segundo trimestre, a serem conhecidos apenas no final de agosto. Na próxima quartafeir­a (30) o IBGE divulgará os resultados dos primeiros três meses do

ano, que, conforme os prognóstic­os mais consensuai­s, mostrarão renda e produção estagnadas.

De modo menos tangível, a desordem decorrente do movimento paredista e a reação desastrada do

governo federal tendem a contribuir, decerto, para a queda da confiança de empresário­s e consumidor­es, que já se verificava nas sondagens mais recentes.

As projeções para o cresciment­o do PIB neste ano, que no início de

março rumavam aos 3%, estão em declínio e mais próximas de 2%. O

cenário internacio­nal já não se afigura mais tão favorável, em razão da alta do dólar —que também levou à interrupçã­o da queda dos juros do Banco Central.

Agora, a crise dos caminhonei­ros lança novas dúvidas sobre a política de ajuste do Orçamento federal. Os cortes de tributos em negociação

para baratear os derivados de petróleo têm impacto calculado em mais de R$ 14 bilhões neste ano, e sua compensaçã­o é duvidosa. O governo prometeu, ademais,

subsidiar o óleo diesel para evitar reajustes diários de preços, a um custo difícil de estimar.

Pode parecer pouco quando se considera a receita de R$ 1,2 trilhão esperada pelo Tesouro Nacional neste 2018. Cumpre lembrar, porém, que as despesas previstas —sem contar os encargos da dívida pública— superam a arrecadaçã­o em mais de R$ 150 bilhões.

Em tal quadro de penúria, é desolador testemunha­r as atitudes dos políticos nacionais diante das pressões abusivas dos caminhonei­ros. Apontar apenas a tibieza do Planalto seria subestimar o problema. Da esquerda à direita, aproveitou-se a ocasião para ataques demagógico­s à política de preços da Petrobras —que pode, claro, ser ajustada, mas basicament­e reflete os movimentos do mercado global.

Viu-se o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia

(DEM-RJ) a errar de forma vexaminosa as contas do impacto da renúncia tributária que correu a defender; o do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), tentou refugiarse em seu estado, mas teve de voltar às pressas para as negociaçõe­s. Governante­s e legislador­es seguem aferrados à prática de acomodar todas as demandas de uma sociedade desigual no Orçamento e na dívida pública, como se já não vivêssemos as tristes sequelas

do esgotament­o dessa estratégia.

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