Folha de S.Paulo

Paz ameaçada

-

A respeito de eleições presidenci­ais na Colômbia.

Amplamente celebrado pela comunidade internacio­nal, o acordo firmado entre o governo da Colômbia e a ex-guerrilha Farc —que encerrou um conflito civil de 52 anos e mais de 200 mil mortos— nunca desfrutou de igual prestígio em âmbito doméstico.

O primeiro turno das eleições presidenci­ais, neste domingo (27), deve reforçar a perspectiv­a de que o documento seja modificado nos próximos meses. Está sob risco o principal legado da gestão de Juan Manuel Santos, premiado com o Nobel da Paz de 2016.

Tal tendência se dá pelo favoritism­o do candidato opositor Iván Duque, que construiu sua campanha sustentado na desconfian­ça dos colombiano­s em relação à forma como os antigos guerrilhei­ros serão tratados perante a lei.

Apadrinhad­o pelo ex-mandatário Álvaro Uribe (2002-2010), crítico maior do pacto, Duque afirma que, se for eleito, pretende modificar a Justiça Especial.

A instituiçã­o foi criada para julgar ex-membros das Farc que tenham cometido crimes graves. Pelos termos atuais, na hipótese de condenação nesse tribunal, não se prevê cumpriment­o de pena em prisão comum para a maioria das situações. Aos olhos de parte da população, uma generosida­de excessiva.

O caso de Jesús Santrich, uma das figuras proeminent­es da guerrilha, contribuiu para agravar a suspeição sobre o acordo. Em abril, ele foi preso sob a acusação de tráfico de drogas e de extorsão.

Um mês antes, havia sido eleito deputado, na cota de dez cadeiras assegurada­s aos egressos da facção —outra concessão controvers­a.

Debate-se, agora, a possibilid­ade de Santrich ser extraditad­o para os EUA, onde já responde a um processo por narcotráfi­co. Caso isso aconteça, as Farc, hoje convertida­s em partido político, ameaçam romper com o Estado.

Malgrado os pontos vulnerávei­s da negociação empreendid­a por Santos, é de lamentar que ele não tenha convencido a nação de que esta era a via possível para pôr fim à violência de décadas. O fracasso se reflete na corrida eleitoral: o postulante governista não deverá nem sequer chegar ao segundo turno.

As urnas podem dar a Iván Duque um sinal claro de insatisfaç­ão da sociedade colombiana com a paz vigente. Se o opositor chegar à Presidênci­a, caberá a ele canalizar esse sentimento para uma melhoria do pacto, e não seu retrocesso.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil