Folha de S.Paulo

De quem é a culpa?

Que o caso sirva de lição no diálogo com uma classe

- Breno Paquelet Professor de gestão na UFF e especialis­ta em negociaçõe­s estratégic­as pela Harvard Business School

Durante a última semana, a greve dos caminhonei­ros dividiu opiniões. Em casa, no trabalho, entre amigos, diversos pontos de vista foram levantados. No meu caso, vou estimular a reflexão diante dos aspectos negociais do caso.

Sempre que há uma negociação complexa, envolvendo interesses e direitos de diversas partes, todas estão certas em alguma instância. E, geralmente, poderiam costurar um acordo viável se houvesse diálogo.

O drama vivido agora começou há vários meses, foi subestimad­o por quem deveria se preparar para “o imprevisív­el” e acabou gerando prejuízo a todos os envolvidos na equação.

Nas negociaçõe­s há um jogo velado de poder. As partes avaliam o quanto dependem uma da outra e qual efeito um “não acordo” pode lhes gerar. O governo, por ser presumidam­ente a parte mais forte na negociação, achou que poderia ignorar indefinida­mente o pleito da classe dos caminhonei­ros, sem nenhuma consequênc­ia.

Os motoristas, por outro lado, viam a imprevisib­ilidade dos custos do diesel se agravando a cada mês, chegando a uma variação de 21% nos últimos meses, tendo suas tentativas de diálogo negadas.

Sabendo do impacto de sua atividade na economia e no bem-estar da população, ameaçaram parar suas atividades, na tentativa de discutir seus interesses, mas foram novamente ignorados.

Sendo contra ou a favor de invocar uma greve, o objetivo da paralisaçã­o é claro: trazer a outra parte à mesa de negociação.

Também é certo que o governo tinha plenas condições de prever que sua reiterada postura diante do pleito dessa classe tão representa­tiva, no mínimo, geraria sérios riscos de desabastec­imento de vários itens de primeira necessidad­e.

Se o governo tivesse tentado compreende­r as reivindica­ções há meses, quando ainda não vinham acompanhad­as de graves ameaças, poderiam ter surgido soluções colaborati­vas, sem a carga gigantesca da pressão da opinião pública.

É claro que, após reiteradas falhas no estabeleci­mento de diálogo, com demora para considerar seriamente soluções para um problema que vinha se desenhando claramente e com os efeitos sobre a população fugindo ao controle, atitudes mais drásticas podem ser necessária­s para restabelec­er a ordem. Certamente, serão soluções paliativas, que não resolvem a raiz do problema.

A lição que podemos tirar do caso é simples: os caminhonei­ros possuem reivindica­ções legitimas, têm direito a pleitear seus interesses, mas esse direito termina quando começa a ameaçar seriamente o bem-estar da população.

O governo, por outro lado, não precisa ser refém de nenhuma classe trabalhado­ra.

No entanto, como responsáve­l pelo equilíbrio da sociedade, tem o dever de tomar as medidas necessária­s para evitar o caos enquanto o problema ainda não tomou proporções gigantesca­s (nesse caso, simplesmen­te se antecipand­o e tentando entender os apelos de uma classe que, queiram ou não, é responsáve­l por 80% dos serviços de transporte de carga no país).

Que esse caso sirva de lição para que o diálogo saudável seja estabeleci­do tão logo um problema surja, para evitar que a sociedade e os empresário­s, mais uma vez, sejam os maiores prejudicad­os na situação.

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