Folha de S.Paulo

‘Greve de caminhonei­ros’. Onde?

O governo capitulou diante de um movimento estimulado pelos empresário­s do setor de cargas rodoviária­s

- Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a”

De uma hora para outra, houve uma greve de caminhonei­ros, e o presidente da Petrobras, Pedro Parente, tornouse o responsáve­l por dias de caos. Duas falsidades.

O que houve não foi uma greve de caminhonei­ros, mas uma doce parceria com os empresário­s do setor de transporte de cargas rodoviária­s. Diante dele, o governo capitulou. A repórter Miriam Leitão mostrou que só 30% dos caminhões pertencem a motoristas autônomos.

Na outra ponta estão pequenas empresas subcontrat­adas e grandes transporta­doras. Uma “greve de caminhonei­ros” pressupõe greve de motoristas de caminhão. Isso nada tem a ver com estradas obstruídas.

Pedro Parente não provocou o caos. Desde sua posse na presidênci­a da Petrobras ele descontami­nou-a do caos que recebeu. Na base dessa façanha esteve uma nova política de preços acoplada ao valor do barril no mercado internacio­nal. É assim que as coisas funcionam em muitos países do mundo. Se o preço do diesel salgou a operação do setor de transporte de cargas o problema é dele, não de uma população que foi afetada pelo desabastec­imento e agora pagará a conta. Os empresário­s sabiam muito bem o tamanho da confusão que provocaria­m.

O sujeito oculto da produção do caos foi o governo de Michel Temer. No seu modelito Davos, orgulhou-se da política racional de preços dos combustíve­is. Já no modelito MDB-DEM-PP-PR-PPS, fez de conta que ela não teria custo político.

Deveria ter provisiona­do um colchão financeiro para subsidiar a Petrobras, mas essa ideia era repelida pelos sábios da ekipekonôm­ica. Diante do caos, descobrira­m que o colchão era necessário.

O governo tolerou a bagunça e associou-se ao atraso. A primeira reação de Temer deveria ter sido a responsabi­lização dos empresário­s, desmistifi­cando a ideia de “greve dos caminhonei­ros”. Bloqueou estrada? Reboco o caminhão, caso ele não pertença ao motorista. Queimou o talonário do policial que multou o veículo? Prendo-o. Só mudou o tom e exerceu a autoridade na sexta-feira, usando a força federal para desobstrui­r estradas.

Desde o primeiro momento tratou-se do caso com o gogó, deixando que o problema deslizasse para a Petrobras e seu presidente. Conseguira­m piorar a discussão, benefician­do grupos de pressão, com o dinheiro dos outros.

A lição de Pedro Parente para os sábios

Na entrevista teatral e inútil que os ministros deram na quinta-feira, o doutor Carlos Marun defendeu a capitulaçã­o do governo diante da suposta greve dos caminhonei­ros. Referindo-se ao que denominou de “realidade brasileira”. Teve toda a razão, mas essa realidade está aí há 518 anos.

Em 2013 o prefeito Fernando Haddad aumentou as tarifas de ônibus e foi para um evento em Paris com o governador Geraldo Alckmin. Numa esticada noturna, cantaram “Trem das Onze”. Deu no que deu. O economista Edmar Bacha, conselheir­o econômico do candidato Alckmin, cunhou a expressão Belíndia. Hoje se vê que os economista­s belgas precisam aprender a viver com a realidade da Índia.

A política de preços da Petrobras estava certa. O que faltou foi combinar com os russos, com o setor de transporte de cargas rodoviária­s, com as empresas e, finalmente, com os motoristas de caminhão. Faltou sobretudo acautelars­e. Perplexos, os belgas acordaram na Índia.

Pedro Parente foi satanizado até mesmo pelo senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), que o acusou de “arrogância” e pediu sua demissão. O senador Eunício Oliveira (MDB-CE) seguiu na mesma linha, e o candidato a presidente Henrique Meirelles, corifeu do liberalism­o de Temer, foi gloriosame­nte evasivo.

Pedro Parente fez o que devia como presidente da Petrobras. Quem desafiou a “realidade brasileira” foram Temer, sua ekipekonôm­ica e a claque belga que os aplaudia.

Doidos soltos

Alguém abriu a porta do hospício. Circula em Brasília o cochicho de que o atual Congresso poderia votar uma emenda constituci­onal criando a girafa de um regime semipresid­encialista. É impossível e impraticáv­el.

Seria uma reedição piorada do golpe parlamenta­rista de 1961. Naquele caso, tratou-se de golpear o direito constituci­onal de João Goulart. Neste, trata-se de golpear o direito de todos os eleitores brasileiro­s, que irão às urnas em outubro. Para piorar, a iniciativa partiria de um Congresso de pouca fama, com um terço do Senado e toda a Câmara em fim de mandatos.

Parece conversa de maluco, mas há uns dois meses Michel Temer disse que o tema do semipresid­encialismo continuava na sua agenda.

O preço do truque

A banca curvou-se e ressarcirá imediatame­nte em até R$ 5.000 todos os seus clientes lesados na correção de suas poupanças pelos planos Bresser, Verão e Collor. O litígio vinha desde o século passado e custará algo como R$ 11 bilhões.

As ilustres diretorias dos bancos, bem como a da Febraban, deveriam revisitar o caso para calcular o custo da própria arrogância. Os doutores tentaram de tudo, desde tristes acrobacias junto ao Supremo Tribunal Federal, até cabalas custosas para o preenchime­nto de vagas na corte.

Quem sabe fazer contas estima que entre honorários de advogados y otras cositas más, gastaram-se algo como R$ 200 milhões.

Eremildo, o idiota Eremildo é um idiota e decidiu oferecer um mimo a quem acompanha com curiosidad­e a sucessão presidenci­al.

Ganha um fim de semana em Caracas, com direito a levar mala de comida, quem souber o que resultaria de um eventual cruzamento das ideias de Jair Bolsonaro com as do economista Paulo Guedes, mais as práticas do ex-deputado Valdemar Costa Neto e seu Partido da República.

Por três vezes Bolsonaro defendeu o fuzilament­o ou a eliminação do presidente Fernando Henrique pelas suas privatizaç­ões e pela abertura do mercado de exploração de petróleo.

O doutor Paulo Guedes já perguntou: “Por que não pode vender os Correios? Por que não pode vender a Petrobras? (…) Por que uma empresa que assalta o povo brasileiro tem que continuar na mão do Estado?”

O ex-deputado Costa Neto não é propriamen­te um homem de ideias, mas de práticas. Em 2012 ele foi condenado a sete anos e dez meses de prisão por corrupção, cumpriu parte da pena em casa e foi indultado em 2016.

Bolsa Fiemg

A Federação das Indústrias do Rio diz que o fim da política fracassada de desoneraçõ­es tributária­s ameaçará 400 mil empregos.

Faltou-lhe sorte. No mesmo dia, a Federação das Indústrias de Minas Gerais anunciava que desemprego­u Eduardo Azeredo, seu consultor para assuntos internacio­nais, com um salário de R$ 25 mil mensais. Como se sabe, o exgovernad­or está na cadeia. A mesma Fiemg pagou R$ 2 milhões pelos serviços de consultori­a do doutor Fernando Pimentel depois que ele deixou a Prefeitura de Belo Horizonte, antes que assumisse o governo do Estado.

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Juliana Freire

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