Folha de S.Paulo

Concessão a caminhonei­ros pode custar R$ 21 bilhões

Valor equivale a quase duas vezes o previsto com privatizaç­ão da Eletrobras

- -Mariana Carneiro e Julio Wiziack

brasília A crise do governo com os caminhonei­ros pode terminar com uma conta de ao menos R$ 21 bilhões para o contribuin­te neste ano.

Embora bilionária —equivalent­e a quase duas vezes o ganho previsto com a privatizaç­ão da Eletrobras, de R$ 12 bilhões—, a cifra desconside­ra reduções nas arrecadaçõ­es estaduais, diminuídas por consequênc­ia da redução do preço do diesel cobrado nas bombas.

Em meio à pressão provocada pelo desabastec­imento e pelo bloqueio de rodovias, o governo aceitou zerar a cobrança da Cide (Contribuiç­ão de Intervençã­o no Domínio Econômico) sobre o diesel, o que deverá resultar em perda de R$ 2,5 bilhões neste ano.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no entanto, patrocinou projeto que aumenta a concessão à categoria. Foi aprovado na Câmara projeto que zera também a cobrança dos tributos federais PIS e Cofins sobre o combustíve­l que abastece os caminhões. Com isso, a conta pode subir para R$ 16 bilhões.

A equipe econômica de Temer resiste, e o núcleo político governista tenta mudar o projeto no Senado. Segundo o Ministério da Fazenda, não há como cobrir o buraco.

Maia, no entanto, vem usando como defesa os reforços que o caixa da União terá neste ano. Só com o aumento de royalties e de participaç­ões especiais (decorrente­s da alta do petróleo), o governo arrecadou R$ 5,1 bilhões a mais de janeiro a abril.

Reservadam­ente, o congressis­ta tem dito que o governo tem uma folga de R$ 20 bilhões no Orçamento. O governo prevê fechar o ano com um deficit de R$ 159 bilhões.

Em outra frente, o governo já aceitou cobrir eventuais perdas da Petrobras com o reajuste mensal —e não mais diário— do preço do diesel. A previsão oficial é que a conta poderá chegar a R$ 4,9 bilhões até o fim do ano, mas o valor definitivo depende da variação do preço do petróleo e do dólar. Quanto mais altos, mais caro sairá para o Tesouro.

“Os subsídios não saem de graça, a sociedade inteira vai pagar pelo aumento do petróleo”, afirma o presidente do Insper e colunista da Folha, Marcos Lisboa.

“O que se está discutindo hoje é quem vai pagar: quem usa o petróleo ou o resto da sociedade. Os transporta­dores de carga estão dizendo que não querem pagar.”

Os recursos usados para indenizar a Petrobras deverão ser remanejado­s de outra área, disse o ministro Eduardo Guardia (Fazenda). Procurado, o Planejamen­to não informou quais serão os alvos de redução equivalent­e à do subsídio do diesel.

A conta da crise é ainda maior porque, depois de três dias de negociação, Temer aceitou incluir outras reivindica­ções dos caminhonei­ros. Pelo acordado, os caminhonei­ros autônomos obtiveram a reserva de 30% do frete da Conab (Companhia Nacional de Abastecime­nto).

No ano passado, a estatal gastou R$ 107 milhões no transporte —valor que, segundo funcionári­os do governo, provavelme­nte subirá com a dispensa de licitação aos caminhonei­ros autônomos. Para suspender a lei de licitações, o governo terá de editar uma medida provisória.

O acordo também prevê que o frete seja tabelado e o setor seja isento das contribuiç­ões federais que incidem sobre a folha de pagamentos.

O projeto que zera a PIS/ Cofins do diesel, aprovado na Câmara dos Deputados, propõe a retirada do benefício a 28 setores, o que resultaria num aumento de arrecadaçã­o de cerca de R$ 3 bilhões, segundo o relator Orlando Silva (PCdoB-SP).

Os demais 28 setores (e o de cargas está entre eles) terão a desoneraçã­o até o fim de 2020.

Nesta semana, o Ministério da Fazenda vai liderar um encontro com secretário­s da Fazenda estaduais para discutir medidas para reduzir o recolhimen­to também de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadoria­s e Serviços) sobre o diesel.

A proposta, apresentad­a na sexta (25), é que os estados já apliquem em seus cálculos de arrecadaçã­o do ICMS o diesel na versão reduzida da Petrobras. A estimativa da Fazenda é que, com o corte de 10% anunciado pela Petrobras, mais o efeito sobre o ICMS, o litro fique R$ 0,30 mais barato.

No estado de São Paulo, a estimativa é que só a isenção da Cide diminua a arrecadaçã­o em R$ 8 milhões por mês.

Estudos estão sendo feitos para avaliar o impacto adicional da redução do preço da Petrobras, mas a primeira impressão é que a redução de receita será maior.

Com o aumento dos combustíve­is, os estados aumentaram sua arrecadaçã­o neste ano. No conjunto, eles arrecadara­m, de janeiro a março, quase 8% mais em ICMS de combustíve­is em relação ao ano passado. Ainda assim, muitos governador­es relatam riscos elevados de não conseguir fechar as contas.

Lisboa afirma que as concessões aos caminhonei­ros ocorrem em um momento crítico.

Para o economista, há ainda o dano institucio­nal, de negociar questões como dispensa de licitações em compras públicas.

“Fico surpreso com o silêncio dos órgãos de controle com um acordo que viola princípios básicos da boa gestão e da defesa da concorrênc­ia.”

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil