Folha de S.Paulo

Ilustraçõe­s levam pais de adoção tardia a ‘ter’ infância com os filhos

Imagens em álbum pretendem representa­r momentos em que pais não passaram ao lado de crianças adotadas DIA DA ADOÇÃO

- Jairo Marques

são paulo Se porventura famílias que optaram pela adoção tardia —que acolhe crianças que passaram da fase de bebê— sentirem falta de algum momento de tempos não vividos com o filho, a arte e a criativida­de já estão preparadas para ajudar a preencher essa possível lacuna emocional.

Três casais de São Paulo que não tiveram a chance de ter e registrar momentos simbólicos da infância de seus filhos —como a troca de fraldas, as brincadeir­as cambaleant­es no chão da sala ou suspensos no ar ou ainda o ninar no peito— receberam álbuns com ilustraçõe­s detalhadam­ente pensadas representa­ndo o tempo que não passaram juntos.

Um processo de pesquisa e entrevista­s que durou dois meses antecedeu o trabalho do grupo de ilustrador­es, que fizeram dez cenas inéditas para cada família.

Na última sexta-feira (25) foi celebrado o Dia Nacional da Adoção, visando promover debates a respeito da importânci­a da convivênci­a familiar e comunitári­a dignas.

Os casais sugeriam algumas situações em que imaginavam ter sido emblemátic­a a presença dos filhos, que só chegaram mais tarde.

“Fizemos uma curadoria de fotos antigas, de fotos de redes sociais e projetamos situações possíveis, com os elementos repassados, em que a família viveria na época em que os filhos adotados eram pequenos”, diz Rodolfo Barreto, diretor-executivo de criação da BETC São Paulo, agência que teve a ideia do álbum, patrocinad­o por uma marca de produtos de cuidados com o bebê.

A advogada Ester Britto Montefusco, 38, e o contador Moacir Pereira da Silva Neto, 40, foram um dos agraciados com o resgate de lembranças. Eles são pais de Sabrina, que chegou aos 7 anos e hoje está com 11, edeKetelyn, que chegou háu mano e também tem 11 anos.

“Foi algo extraordin­ário para nós. Eu tinha o sonho de colocar minhas filhas na cadeirinha do carro, de trocar fraldas. Agente imagina esses momentos. Quan dopegamo so álbum, a impressão foi ad eque vivemos aquilo de fato”, afirma Moacir.

Para a mãe, o impacto da iniciativa nas meninas foi ainda maior. “Para elas foi como um resgate, um alívio da lembrança de sofrimento que elas tiveram no passado, antes de chegar para a gente. A Ketelyn tem adoração pelas imagens. Chora, se emociona. É como se elas estivessem colocando peças que faltavam em um quebra-cabeça”.

O álbum de família da jornalista Malu Abib, 44, e do comerciant­e Joachim Kern, 42, que é alemão, foi mais complexo de se elaborar, pois eles assumiram a responsabi­lidade por um “combo”: três irmãs inseparáve­is, Gabriela, 7, Rafaela, 6, e Emily, 4.

“Nos apaixonamo­s pelas três imediatame­nte e tinha de ser assim para dar certo. Meu marido também foi adotado na Alemanha, aos cinco anos, com uma irmã mais velha. Das 65 perguntas que nos fizeram sobre o perfil que buscávamos para nossos filhos, deixamos 40 em branco. O nosso sonho era mesmo formar uma família feliz”, declara Malu.

Uma cena marcante entre as ilustraçõe­s sobre a infância das meninas —feitas com o cuidado de retirar as tatuagens no braço esquerdo do pai, já que elas ainda não tinham sido desenhadas— ocorre no leito de um hospital.

“A Gabi conta sempre de um período que ficou muito doente e ficou internada por vários dias, sozinha, sofrendo, em um hospital. Para mim e para o alemão [o marido], é doloroso pensar que não estávamos lá quando ela tanto precisou. Quando vimos a ima- gem ao lado dela, na cama, choramos demais”, diz a mãe.

As meninas ostentam o álbum com orgulho e cercaram a reportagem enquanto explorava os detalhes das imagens.

“Se deixar, elas folheiam as figuras o dia inteiro. Acabou virando uma referência. Elas dizem muito que gostariam de ter nascido de novo, já nos nossos braços, então, as fotos são uma maneira de realizar isso”, afirma Joachim.

Os pais explicam que embora não tenham experiment­ado momentos de tenra infância com os “filhos tardios”, outros primeiros momentos foram construído­s e que as próprias crianças fazem questão de criar marcas afetivas novas.

É natural que algumas delas tenham comportame­n-

to de bebê, chupando dedo, fazendo xixi na cama, por alguns dias quando chegam em seus novos lares e estão em período de adaptação à família.

“Tivemos nosso primeiro Carnaval, a primeira ida à praia. Não nos incomodam as lembranças que elas trazem e temos respeito por isso. Não se apaga o passado da criança, mas elas nos pedem muito para recriar lembranças”, afirma a mãe.

Ao final de cada álbum, foi colocada uma fotografia do momento em que as famílias se emocionava­m ao ver as ilustraçõe­s pela primeira vez. A ideia, diz o diretor Rodolfo Barreto, foi criar uma marca que simbolizas­se que dali para frente era nova fase, a continuida­de de uma história real.

O terceiro casal a ganhar o álbum foi Cacalo Olliver, 46, produtor de TV, e Zé Antônio do Carmo, 48, ator. Eles receberam Matheus, 9, há dois anos e meio. O garoto, que tem baixa visão, não sabia ler nem escrever e tinha dificuldad­es com a coordenaçã­o motora fina. Foram meses de adaptação e reabilitaç­ão.

“As imagens nos afagaram, fizeram nossa mente viajar. É lúdico, é lindo e conseguimo­s ver reportado ali momentos de profundo carinho, momentos que os amigos do Matheus perguntam a ele como foram. Isso não nos faz deixar de lado a importânci­a da adoção tardia e o pensando de que as histórias de vida começam quando têm de começar”, diz Cacalo.

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Patricia Stavis/Folhapress Da esq. para a direita, Rafaela, Joachim, Emily, Malu e Gabi, revendo álbum
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Sabrina, ao lado do pai, Moacir, da mãe, Ester, e da irmã, Ketelyn
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Fotos Avener Prado/Folhapress Ilustração representa­ndo Ester dando banho nas filhas

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