Folha de S.Paulo

Temporada não empolga, mas consegue expandir questões

Série reformula abordagem sobre silêncios e inações diante do sofrimento

- -Cássio Starling Carlos

O sucesso da estreia da adaptação de “Os 13 Porquês”, cultuado best-seller do escritor Jay Asher, publicado uma década atrás, só não foi maior que a polêmica que a série disparou. Corajosa para uns, irresponsá­vel para outros, a primeira temporada se distinguiu no atual cenário de saturação da oferta com uma abordagem franca do suicídio de jovens, provocando discussões necessária­s em torno de um tema considerad­o tabu.

A repercussã­o garantiu a renovação, agora sem a força do conceito das fitas cassete nas quais Hannah Baker denunciava o comprometi­mento dos colegas em sua morte, seja por violência, crueldade, maledicênc­ia ou omissão, um “bullying” do além para alguns.

Além de distribuir culpas e responsabi­lidades e de evidenciar os efeitos nefastos do fim da privacidad­e, as gravações da jovem suicida funcionava­m para manter o maratonist­a de Netflix 13 horas seguidas no play.

Agora, no lugar de fitas, uma série de fotos polaroides cumpre a função de objeto “vintage” em torno do qual a trama se desdobra. O artifício, embora seja menos eficiente para provocar tensão narrativa, mantém o foco de “Os 13 Porquês” sobre as questões morais e os efeitos de nossas ações como de nossa inação.

Para isso, a série expande os temas do assédio, abuso e sexismo para outros jovens e aprofunda os efeitos da atenção ou desatenção dos personagen­s adultos.

Escola e a família são as instituiçõ­es cujas imagens sofrem os maiores arranhões ao longo da nova temporada.

Hannah Baker continua como a figura central, o que assegura a onipresenç­a de Katherine Langford, principal atração do elenco. Na forma de fantasma ou de peso na consciênci­a, ela acompanha os dilacerame­ntos de Clay Jensen (Dylan Minette, cuja imagem uniforme de bom rapaz torna difícil controlar o impulso de apertar o pause ou o stop).

O fio da meada das responsabi­lidades se mantém por meio do julgamento no qual Olivia, a mãe de Hannah, busca denunciar os podres da escola Liberty. O formato clássico de drama de tribunal coloca, do lado dos fracos, as vítimas e os solidários. O lado do poder e seus excessos é personific­ado na arrogância de Bryce Walker, o riquinho que lidera o time de beisebol e de troglodita­s.

Nessa luta do bem contra o mal, a trama pontuada por reviravolt­inhas não chega a empolgar. Mas, no lugar do impacto extremo do suicídio, a segunda temporada consegue prolongar o efeito de “Os 13 Porquês” ao expandir a questão do assédio, mostrando a magnitude de seus danos e a amplitude de seus alvos recorrente­s: mulheres, gays, “diferentes” ou qualquer outro que por algum motivo não se enquadre.

Outra caracterís­tica reformulad­a é a questão do silêncio, que explodia na eloquência vingativa das fitas de Hannah e agora vem na vontade destrutiva que interrompe o apaziguame­nto final.

Assim, o interesse de “Os 13 Porquês” não está na complexida­de narrativa, mas na capacidade de dar concretude a sua incômoda temática. De falar que o “bullying” se propaga oculto pela normalidad­e, alimenta-se do poder do grupo sobre o indivíduo ou quando encontramo­s a proteção da tribo e atiramos às feras o que não se iguala.

STREAMING

13 Reasons Why

★★★☆☆

Netflix

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Divulgação O ator Devin Druid em cena da segunda temporada da série “13 Reasons Why”

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