Folha de S.Paulo

A grande hegemonia

Real Madrid entrou com os mesmos jogadores nos dois últimos títulos

- Paulo Vinícius Coelho Jornalista, cobriu cinco Copas do Mundo (1994, 1998, 2006, 2010 e 2014) D S T Q Q S S Juca Kfouri, Paulo Vinícius Coelho e Tostão | Juca Kfouri e Paulo Vinícius Coelho | Tostão | Juca Kfouri

Depois de ver o gol de Gareth Bale contra o Liverpool, reveja o de Zidane contra o Bayer Leverkusen, final da Champions League de 2002. O cruzamento de Roberto Carlos alcançou o pé esquerdo do craque francês. De voleio, Zidane mandou a bola no ângulo. O golaço improvável virou escultura exposta na final da Champions League de Lisboa, em 2014.

Em Kiev, o passe para o gol veio do pé direito de Marcelo, lateral e brasileiro, como Roberto Carlos, há 16 anos. Em vez de voleio, Gareth Bale acertou uma meia bicicleta incrível, no ângulo do goleiro alemão Karius, do Liverpool. Até o arqueiro tem a mesma nacionalid­ade. Butt era reserva de Oliver Kahn, terceira opção, na Copa do Mundo de 2002.

O segundo gol de Gareth Bale matou a final contra o Liverpool e o terceiro completou o mais incrível domínio de um clube na história da Champions League. Nem sequer as cinco conquistas dos anos 50 se igualam, porque desta vez o mesmo time e o mesmo técnico mantêm a hegemonia.

Na década de 1950, o Real Madrid ganhou o troféu por cinco anos consecutiv­os, com três treinadore­s diferentes e cinco formações distintas. Só três jogadores repetiram-se nas cinco conquistas: Di Stéfano, Zárraga e Gento. A conquista de Kiev registrou a primeira vez de um técnico campeão por três vezes consecutiv­as. Só Zidane!

“Se Guardiola ganhasse como Zidane, já estaríamos gritando de cima do telhado”, disse o ex-meia Steve McManaman na quinta (24). Usando uma expressão espanhola, quis dizer que Guardiola seria exaltado como o melhor do planeta. Zidane, nem tanto. Mas há mais. Os 11 escalados por Zidane no início foram repetidos exatamente iguais aos da final de um ano atrás, em Cardiff. Nunca isso havia acontecido.

O Milan de Arrigo Sacchi, último bicampeão consecutiv­amente na velha Copa dos Campeões da Europa, escalou Donadoni na final de 1989 e Evani na decisão de 1990. O Bayern, tricampeão de 1974 a 1976, mudou jogadores em todas as finais e trocou de técnico. Udo Lattek ganhou em 1974, Dietmar Cramer em 1975 e 1976.

O Real Madrid, não. É tricampeão seguido —com o perdão da redundânci­a— com o mesmo técnico, o que é inédito. E ganha pela segunda vez com a mesma formação, o que jamais havia acontecido: Navas, Carvajal, Varane, Sergio Ramos e Marcelo; Casemiro, Kroos e Modric; Isco; Benzema e Cristiano Ronaldo.

O Real Madrid não foi estável durante o jogo. O Liverpool foi melhor no primeiro tempo, assim como a Juventus dominou a primeira parte em Cardiff. Não teve Cristiano Ronaldo inspirado, e o cresciment­o só se deu no segundo tempo, com a entrada de Gareth Bale.

Para a conquista, contribuiu também a lesão de Mohammed Salah. Não é justo dizer que Sergio Ramos teve maldade. Por mais que tenha enroscado o braço no atacante egípcio para fazer a falta, a lesão deveu-se à queda, não planejada pelo zagueiro espanhol.

O Real Madrid venceu a Champions League porque é melhor. Venceu porque tem um goleador inapelável, como Cristiano Ronaldo, artilheiro do torneio, decisivo até as quartas de final. E porque aposta na continuida­de, o que faltava na década passada, quando caiu seis vezes seguidas nas oitavas de final, com seis técnicos e seis times diferentes, contra seis adversário­s distintos.

Agora, ganha três títulos, disputando três decisões seguidas com apenas 13 jogadores titulares e nos dois últimos títulos com o time exatamente igual.

A respeito da declaração de Steve McManaman, só não é justo comparar Zidane a Guardiola se o assunto for transforma­ção. O técnico catalão do Manchester City foi revolucion­ário. Mudou o jeito de jogar na Europa e no mundo. Mas não venceu tantas vezes, como Zidane e o Real Madrid conseguem fazer.

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