Folha de S.Paulo

Comédia de erros

Crédito barato para comprar caminhão provocou excesso de oferta e reduziu frete

- Samuel Pessôa Físico, doutor em economia, pesquisado­r do Ibre-FGV e sócio da consultori­a Reliance

Logo após a crise de 2009, os formulador­es de política econômica passaram a estimular a compra de caminhões com empréstimo­s subsidiado­s do BNDES. Achava-se que seria política

contracícl­ica eficaz para ajudar a economia a sair da crise iniciada em 2008. O programa de crédito muito barato persistiu até o primeiro mandato da presidente Dilma. De 2009 até hoje a frota de caminhões aumentou 40%.

A economia, no mesmo período, cresceu 11%.

Não havia necessidad­e de tanto caminhão.

Evidenteme­nte, o excesso de oferta de caminhões pressiona

o frete para baixo.

A situação é especialme­nte difícil para o motorista autônomo. Os grandes operadores expandiram muito a oferta e podem contratar outros motoristas. Mesmo porque o mercado de trabalho muito fraco,

com elevado desemprego, facilita as coisas para os grandes operadores. A movimentaç­ão de veículos pesados nas estradas pedagiadas

encontra-se quase

12% abaixo do pico de fevereiro de 2014.

As montadoras, por sua vez, trabalhara­m anos a plena carga para, em seguida, ficar anos com elevada ociosidade.

Em que pesem todos os estímulos para a compra de caminhões entre novembro de 2008 e novembro de 2013, a

produção de caminhões excedeu os licenciame­ntos domésticos e a exportação em 40 mil

unidades.

É claro que a reversão de ce

nário foi brutal. Para as montadoras

e para os caminhonei­ros. O governo, na tentativa de amenizar a situação para os

caminhonei­ros, reduziu o pedágio em 2015, quebrando contra

to com as concession­árias de

rodovias. Tudo está na Justiça. Entremente­s as economias centrais vão se recuperand­o do

estrago da crise de 2008, e os juros de dez anos pagos pelos títulos do Tesouro americano sobem e ultrapassa­m a marca

fatídica de 3% ao ano. O real e demais moedas das economias emergentes perdem valor. Simultanea­mente, os problemas da Venezuela e as “trumpices” com o Irã pressionam o preço do petróleo em um momento de real fraco. O preço do petróleo em reais explode. Não há muito espaço para que a Petrobras não repasse os aumentos, pois ela foi muito machucada no período das vacas gordas para a economia brasileira, durante o qual foi instrument­alizada e mal gerida. Precisa reduzir seu endividame­nto.

A péssima situação fiscal e a incapacida­de de Temer em aprovar a reforma da Previdênci­a após o evento Joesley obrigam o governo a procurar receita onde dá. Eleva-se a tributação dos impostos federais sobre gasolina e óleo diesel.

Em meio a uma recuperaçã­o

frustrada da economia, os fretes, pressionad­os pelos custos do diesel, nas rotas agrícolas, subiram de janeiro até abril algo como 40% em termos reais. Em geral, nessa época do ano, os fretes agrícolas sobem uns 20%. Caminhões perdem espaço

para ferrovias, o que não é ruim. Mas com tanto caminhão...

Um conjunto incrível de intervençõ­es totalmente desastrada­s explica movimento grevista muito rápido e que desorganiz­ou a vida das pessoas como poucas vezes ocorreu. Bom momento para nós voltarmos à agenda que estava posta em 2002: construirm­os as condições para que a regulação do setor de comerciali­zação dos subproduto­s do petróleo ocorra de forma competitiv­a por empresas privadas.

Será necessário privatizar

com sabedoria o setor de refino. Melhorar o marco regulatóri­o e criar condições para que o comércio internacio­nal ajude a disciplina­r o mercado.

Para esse setor, no Brasil, as falhas de governo ultrapassa­m as falhas de mercado por larga margem.

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