Folha de S.Paulo

Todos aderem ao paradão e tentam tirar sua casquinha

Da extrema esquerda a empresas, há adesão e pouca crítica ao paradão do transporte

- Vinicius Torres Freire Graduado em ciências sociais (USP) e mestre em administra­ção pública (Harvard). Foi secretário de Redação e editor da Folha vinicius.torres@grupofolha.com.br

Quase não se ouve crítica à parada dos transporta­dores de carga.

É fácil compreende­r que candidatos à eleição não se atrevam a atacar um protesto contra os detestados aumentos de combustíve­is. Mas a adesão ao paradão caminhonei­ro vai de empresário­s a movimentos sociais de extrema esquerda, todos tentando tirar casquinha de uma revolta popular entre bolsonaris­tas, quando não liderada pelos partidário­s do capitão da extrema direita.

Pesquisas sobre reações nas redes sociais indicam maioria favorável ao movimento, mesmo que falte gasolina e se espalhe o medo de desabastec­imento de comida. A hashtag #TemerAbaix­aAGasolina foi para o topo das paradas do Twitter.

Do outro lado, restaram praticamen­te a alma penada do governo de Michel Temer e os economista­s-padrão, que muita vez vivem no mundo da lua em que a política é um exotismo exógeno.

Desde que o comércio ocidental ressurgiu, na Idade Média, empresário­s protestam contra desordens e bloqueios de estradas, digamos, em nota sarcástica. O paradão caminhonei­ro, porém, começou com o apoio de várias associaçõe­s empresaria­is.

Há protestos, como aqueles dos criadores de animais, da indústria de produtos de carne, de fabricante­s de remédios e químicos, de carros. Em geral, são tímidos ou localizado­s. Não há grita empresaria­l organizada contra o que antes se chamava de baderna, ainda mais se organizada pela esquerda.

Durante a semana, a esquerda decidiu surfar a onda dos caminhonei­ros, de costume seus desafetos. O PT reconheceu a “justiça” do protesto, mais para bater em Temer e na política “entreguist­a” e “privatista” da Petrobras, mal citando o povo dos caminhões. Mas a Frente Brasil Popular, de movimentos sociais próximos do petismo, e a Frente Povo Sem Medo, à esquerda, aderiram, assim como a CUT e o MTST, de Guilherme Boulos, presidenci­ável do PSOL.

Marina Silva (Rede) e Geraldo Alckmin (PSDB) ficaram numa crítica suave à falta de diálogo e à frequência dos reajustes da Petrobras, sem condenar sua administra­ção “de mercado”, estraçalha­da por Ciro Gomes (PDT). O Congresso quase inteiro bate em Temer e na Petrobras “de mercado”.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, presidenci­ável do DEM, pede que a Petrobras dê uma suavizada nos reajustes e detona Temer. Quer dar ao paradão o sentido de protesto contra impostos.

Henrique Meirelles, até ontem timoneiro da coalizão mercadista que levou Temer ao poder, foi meio nessa linha. Mas, para baixar impostos, diz, é preciso reformar a Previdênci­a. Nota-se, porém, um desejo geral de não reformar coisa alguma, mas de transferir prejuízos privados para fundos públicos.

Empresas de transporte e seus clientes não querem micar com a alta do custo do combustíve­l, que não conseguem repassar aos consumidor­es, na pindaíba. Reivindica­m subsídios do governo falido, o qual ninguém quer bancar.

Há de fato uma revolta contra impostos e governos em geral, vitaminada pela raiva de quatro anos de crise, das corrupções e de Temer. Mas quase todo o mundo quer uma mão estatal, desde que bancada por outrem.

Essa conjunção de repulsas contaminou feito a peste o programa de reformas, como a da Previdênci­a. É o sentimento que parece estar na base do apoio tácito ao movimento caminhonei­ro, que se tornou um porta-voz acidental da raiva das ruas. Resta a pergunta: quem ou o quê se quer derrubar agora?

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