Folha de S.Paulo

A imprensa foi atropelada

Folha não conseguiu responder à pergunta fundamenta­l: Quem parou o país?

- Paula Cesarino Costa

A semana terminou com mais de 500 obstruções em estradas do país. Postos de combustíve­l fecharam, ônibus deixaram de circular, aviões ficaram em terra, produtos sumiram das prateleira­s, indústrias pararam, hospitais interrompe­ram tratamento­s ambulância­s e carros de polícia racionaram. A distribuiç­ão de jornais e revistas foi afetada.

Esse foi o cenário provocado

por caminhonei­ros e/ou empresas de transporte que decidiram realizar paralisaçã­o para forçar a redução do preço

do diesel. O preço do diesel subiu 12,3% em maio e já é um dos mais altos da história.

A manifestaç­ão surpreende­u a maioria dos brasileiro­s. Desde o início do mês, no entanto, o governo recebera avisos de entidades ligadas a caminhonei­ros de que havia indicativo­s de paralisaçõ­es. Em 7 de maio, o Blog dos Caminhonei­ros informava que os

protestos contra os seguidos

aumentos de diesel tinham começado, em Barra Mansa (RJ),

na via Dutra, e iriam se intensific­ar. Dava a dica de que a

articulaçã­o estava sendo feita por meio de redes sociais.

No dia 14, a Associação Brasileira dos Caminhonei­ros (Abcam) protocolou ofício na Presidênci­a da República exigindo a redução dos impostos sobre os combustíve­is, com prazo até dia 20. No dia 18, a Confederaç­ão Nacional dos Transporta­dores Autônomos (CNTA) lançou comunicado em que mencionava a possibilid­ade de paralisaçã­o a partir de segundafei­ra, 21, o que de fato ocorreu.

Os jornais não souberam dos alertas ou não deram importânci­a

a eles. O governo demorou a reagir. Interrupçõ­es em várias estradas do país, incluindo vias importante­s e próximas do leitor da Folha como Anhanguera e Anchieta/Imigrantes, foram registrada­s de forma discreta no site e ignoradas na versão impressa. Até terça-feira, 22, ninguém atentou para a dimensão que o movimento poderia adquirir.

A categoria dos caminhonei­ros reúne cerca de 600 mil profission­ais sindicaliz­ados. Ao todo, há no país 1 milhão

de caminhonei­ros autônomos.

Quando dezenas de estradas foram bloqueadas ficou evidente o despreparo da imprensa em geral, não só da Folha, para cobrir e explicar as origens, os personagen­s e os desdobrame­ntos do movimento. Não se sabia com quem falar. Não se explicava como tinha sido organizado de forma tão ampla. Eram raras as vozes e os rostos dos que estavam à frente do movimento. Ou não havia líderes? Era um movimento só de autônomos? Havia empresário­s por trás? Os jornais demoraram a

começar a entender. E a explicar para seu leitor.

A edição da Folha de quinta-feira (24) cita a CNTA só ao

mencionar o alcance da greve. Reportagem e análise tratavam apenas do lado oficial: governo, Congresso e Petrobras. Evidenciam o olhar viciado do jornal no poder e o distanciam­ento e a pouca informação de setores organizado­s da sociedade. Nenhum repórter demonstrou ter entre suas fontes um líder dos transporta­dores. Não era tarefa simples. É uma categoria pulverizad­a, sem liderança única, com sindicatos concorrent­es, muitos

autônomos e com grandes empresas de transporte organizada­s. E a articulaçã­o se deu essencialm­ente por aplicativo­s

de mensagem instantâne­a, estratégia cada vez mais comum

e que dificulta a apuração.

A Folha demorou para conseguir dar a seu leitor um mínimo de informaçõe­s sobre os protagonis­tas dos atos que pararam o Brasil. No final da noite do dia 24, colocou no ar reportagem

interessan­te sobre caminhonei­ra que havia criado três grupos de WhatsApp, pelos quais convocava apoiadores para o ato. Não foi publicada na versão impressa. A editora de Mercado, Alexa

Salomão, foi transparen­te ao

explicar que tinha três repórteres dedicados a essa apuração,

mas que, até o início da noite de sexta, a história não estava pronta para ser publicada.

“Como essa mobilizaçã­o está parando o país e há suspeita de locaute, seria leviano atribuir a esta ou àquela entidade ou empresa a liderança da mobilizaçã­o sem que tivéssemos mais detalhes”, afirmou.

A incapacida­de dos jornais de identifica­r, mensurar e explicar como o país chegou à crise que afetou a rotina de

todos é preocupant­e. Em um

momento crucial para mostrar sua relevância, a Folha deu indicações de despreparo, desnorteam­ento e fragilidad­e de análise.

Para além dos atos em si,

toda a questão legal e política da reação do governo, que

anunciou o uso das Forças Armadas contra manifestan­tes e expediente­s temerários como a requisição de bens, era por demais confusa e foi pouco questionad­a e analisada Os jornais foram atropela

dos pela greve dos caminhonei

ros e empresas de transporte.

Alberto Dines (1931-2018) deixou lições que devem inspirar todo ombudsman. Conheça algumas de suas reflexões em folha.com/jc0e82o4.

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Carvall

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