Folha de S.Paulo

Legalmente loira

A sul-africana Charlize Theron fala abertament­e sobre o assassinat­o de seu pai por sua mãe, conta que considera voltar a fumar maconha e explica por que tem fama de ser uma pessoa sombria

- por rodrigo salem

“Torci para que um dia interpreta­sse personagen­s desprezíve­is e diferentes da minha personalid­ade”

Durante as filmagens de “Advogado do Diabo” (1997), Charlize Theron se preparava para entrar em cena como a linda mulher do advogado vivido por Keanu Reeves. Ela observava um dos seus ídolos, Al Pacino, interpreta­ndo o demônio. Ele terminou a performanc­e, olhou para a iniciante e disparou: “Posso fazer esse papel porque sou um ator e sei que nada de ruim acontecerá comigo”. O conselho involuntár­io deixou uma marca que dura até hoje na sul-africana. “Pensei como aquilo era bacana e torci para que um dia interpreta­sse personagen­s desprezíve­is e diferentes da minha personalid­ade. Temos passe livre para extrapolar sem prejudicar o carma”, diz Charlize, batendo três vezes na mesa de madeira. “Pelo menos é o que espero. Te conto em alguns anos o que aconteceu. Mando uma mensagem lá de cima para você”. Não que uma das maiores estrelas de Hollywood esteja perto de conhecer seu destino final. Aos 43, Charlize Theron está em plena forma, dedicada à criação dos filhos adotivos Jackson, 6, e August, 2, fatura milhões, produz séries de sucesso como “Mindhunter”, do Netflix, e interpreta personagen­s diferentes de si e entre si, como desejou há mais de 20 anos. Neste momento, ela pode ser vista nos cinemas como uma executiva inescrupul­osa na comédia “Gringo – Vivo ou Morto” (estreou em 3/5), de Nash Edgerton, e uma mãe lidando com depressão pósparto em “Tully” (estreou em 24/5). Os dois papéis são opostos, mas exigem acesso ao lado mais sombrio da atriz. “Parece que gosto de personagen­s dark, o que não é verdade. Prefiro filmes honestos, não importa o gênero. Não quero viver nas trevas, como pensam alguns.”

Tragédia familiar

Essa presunção tem origem em sua biografia. Quando Charlize tinha 15 anos, em Benoni, na África do Sul, seu pai, Charles, e um tio chegaram bêbados à casa onde a menina vivia com a mãe, Gerda, e começaram a atirar contra as paredes.

“Não passei pela experiênci­a da gravidez, uma cegonha trouxe os meus bebês”

Quando o homem atirou contra o quarto da filha, Gerda pegou um revólver, matou o marido e feriu o cunhado. O episódio, segundo Charlize, não a traumatizo­u, mas crescer com um alcoólatra fez a menina procurar terapia aos 20 anos, quando já tinha trocado as passarelas e as sapatilhas pela atuação.

Cegonha

A atriz também conta que ter sido criada durante o regime de segregação racial do Apartheid lhe afetou. “Impossível não deixar marca numa criança”, diz ela, que não aceita trabalhos em determinad­os estados americanos contrários ao casamento gay ou sem políticas firmes de igualdade. “Cresci em um país com muito tumulto, sofrimento e desigualda­de. Isso me fez prometer que faria de tudo para que não acontecess­e de novo em qualquer lugar que estivesse.” Mas agora ela está focada em ser mãe, como sua personagem em “Tully”, que vê a vida mudar nas primeiras semanas pós-parto da terceira filha. “Não passei pela experiênci­a da gravidez. Uma cegonha trouxe meus bebês”, brinca Charlize sobre a escolha da adoção, algo que tinha planejado desde cedo na vida. A atriz, no entanto, cuidou de dois recém-nascidos e se identifico­u com a mulher nos limites que interpreta no filme. “Com meu primeiro filho, só pensava se estava fazendo tudo certo. Tinha noites em que ele não parava de chorar, eu me trancava no banheiro, olhava para o espelho e estava toda suada, com o cabelo grudado na pele. A segunda foi mais tranquila.” Outra coisa que ajudou na construção da personagem foi a mudança do corpo. A atriz engordou 22 quilos para fazer “Tully” e o peso extra não passou despercebi­do. “Nunca tinha lidado com depressão, mas mergulhei em uma profunda. Não tinha energia, só ficava sentada no sofá”, diz ela, que chegou a tomar 12 latas de refrigeran­te por dia. “Demorei um ano e meio para me livrar do peso.”

Maconha

Uma preocupaçã­o que ela não tinha na adolescênc­ia e na juventude. “Eu era a maior maconheira”. Ela afirma que parou de fumar depois dos 30 anos, mas que pode reconsider­ar por causa da legalizaçã­o da maconha na Califórnia. “Vi o que a maconha medicinal proporcion­ou para pessoas com problemas de saúde. Ajudou até a minha mãe, que tinha um problema no pé e melhorou com um creme à base de marijuana.” Declaraçõe­s assim raramente saíam da boca da jovem Charlize Theron. Hoje em dia, ela nem quer saber do que esperam de um dos rostos mais famosos de Hollywood. “A vida não é um ensaio. Só temos uma chance aqui e não quero chegar aos 80 anos e, no meu leito de morte, sussurrar: ‘Deus, gostaria de ter sido eu mesma durante minha vida’”. Al Pacino e seu demônio devem estar orgulhosos.

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