Folha de S.Paulo

Qualidade de morte

- por camila appel Camila Appel é dramaturga e autora do blog Morte sem Tabu, da Folha

Em 2028, fará um século da descoberta da penicilina, por Alexander Fleming, que contribuiu para aumentar a expectativ­a de vida. Já há promessas de substituiç­ão completa de partes do corpo e técnicas de edição de genes, que podem nos fazer viver mais. Do ponto de vista do indivíduo, viver mais pode ser bom. Do ponto de vista da sociedade, traz desafios ao exacerbar problemas econômicos e sociais. Mas a morte ainda será uma realidade. Há uma demanda, quase um apelo da população, para que a mídia trate temas como autonomia no processo de morrer. Entender que a morte pode ser encaminhad­a como algo natural, sem intervençã­o da tecnologia para sua extensão a qualquer custo, ou mesmo com todas as intervençõ­es possíveis, desde que seja uma escolha. Não temos maturidade para discutir leis que abordem a eutanásia e o suicídio assistido em caso de doenças terminais. A qualidade da morte no Brasil ainda é muito ruim. Como indicou um ranking da revista The Economist, isso acontece por falta de divulgação de uma área da medicina chamada cuidados paliativos, muitas vezes tida como um novo olhar para a medicina. Imagino que os paliativis­tas já terão um espaço maior em 2028, tanto na grade curricular da medicina, quanto na mente do público. Até outro dia, não falávamos sobre orgasmo ou masturbaçã­o na mídia. Hoje, sexo é discutido normalment­e. A morte segue esse caminho e poderá, enfim, ser vista como ela é. Algo que nos une como espécie, como seres que têm consciênci­a da própria finitude e são capazes de discuti-la. A morte ainda não será opcional, mas a forma como a tratamos, sim.

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por luli penna

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