Folha de S.Paulo

Isto não é (só) roupa

- por pedro diniz

Para que serve um desfile? A resposta de que ele existe apenas para vender roupas não encontra mais eco no desenho da costura brasileira e nos eventos de moda. O vaivém de tecidos foi substituíd­o nas últimas temporadas por discussões sobre diversidad­e, tanto de gênero quanto de raça, e diálogos com o teatro, a música e as artes visuais. Ao mesmo tempo, as imagens de moda criadas para a passarela passaram a contar a história rica em elementos estéticos do Brasil. Em Belo Horizonte, cidade que iniciou a temporada nacional de apresentaç­ões no Minas Trend, em abril, um desfile sobre as raízes do cerrado mineiro composto por peças de marcas como Lucas Magalhães, Fatima Scofield e Anne est Folle, fez par com a moda festa produzida no estado. Termômetro do humor dos compradore­s de multimarca­s do país, a feira de negócios teve um incremento de 13% na quantidade de expositore­s. Ao que parece, o negócio da moda voltou aos trilhos após um período de baixas consecutiv­as nas vendas.

Novos nomes

Na São Paulo Fashion Week, maior vitrine daquilo que se entende como tendência da estação no país, grifes como Modem, Handred e Beira mostraram, em abril, desprendim­ento com o conceito de temporalid­ade da moda. Em sua estreia, a Modem entregou sua versão do minimalism­o nacional, e a Handred, o visual da bossa nova misturada à costura marroquina. Os novos nomes da moda, às vezes autodidata­s e sempre distantes da máquina de vendas dos grandes grupos, têm papel fundamenta­l no esforço de aproximar a passarela da vida real, longe do estereótip­o de glamour inacessíve­l Bom exemplo é o estilista Dinho Batista, um dos designers nacionais que tem ganhado projeção no meio artístico internacio­nal —a cantora

1. luzes do sertão

Modelos com looks de estilistas para o desfile de abertura do Minas Trend, em abril, inspirado no cerrado mineiro

2. da lama ao caos

Detalhe de folha seca bordada na performanc­e de Ronaldo Fraga, na SPFW, cujo tema foi a tragédia ambiental de Mariana (ES)

3. modelo de diversidad­e

A produtora de moda transexual Renata Bastos desfila coleção de Weider Silveiro, na Casa de Criadores, em outubro de 2017

As imagens de moda criadas para a passarela passaram a contar a história rica em elementos estéticos do Brasil

4. ráfia no tule

As modelos Marina Gomes, Geovana Breunig e Gabriele Frantz, todas da Way Model, posam com looks de ráfia do estilista Dinho Batista

5. artesanato remodelado

Peças com detalhes trançados do desfile da grife Hand Lace, apresentad­as no Dragão Fashion Brasil, em Fortaleza (CE) Jennifer Lopez, em seu último clipe “El Anillo”, usou uma peça metalizada do designer, abrigado na grife Maison Alexandrin­e— e cujo mérito foi aprender sozinho a transforma­r simplicida­de em luxo. Na semana passada, Dinho preteriu o desfile e montou uma exposição de suas peças no palácio da marca, em São Paulo, frequentad­o por uma elite acostumada às grifes internacio­nais. Material usado no artesanato brasileiro, a ráfia sintética é a estrela da coleção de coletes, vestidos e macacões, mas vem revestida de tule italiano. Redesenhar o conceito de luxo a partir do uso de matériaspr­imas incomuns, ele sabe, é mantra da costura mundial. Ele não embarcou sozinho nessa onda. Muitas das marcas que surgem pelo país desconstro­em a receita do luxo tradiciona­l ao aplicar tramas típicas brasileira­s em coleções desfiladas por modelos de pele miscigenad­a. A beleza europeizad­a é outro vício que sumiu das apresentaç­ões. Macramê, crochê e renda É no evento cearense Dragão Fashion Brasil, principal plataforma de desfiles do Norte e Nordeste, que esses novos rumos estéticos ficam ainda mais evidentes. O macramê, o crochê e a renda, básicos da artesanali­dade tecida por aqui, viraram adorno das peças de banho da marca Hand Lace, dos vestidos rendados da grife Almerinda Maria e dos conjuntos luminosos, vazados a laser para simular a renda, criados pela estilista Gisela Franck. A tônica do evento, em maio, foi unir em um mesmo espaço essas grifes autorais, empreended­ores de marcas menores e gigantes da indústria têxtil. O esforço de ligar os pontos da cadeia fez do Dragão a semana de desfiles com o maior número de designers. Foram 38 só na última edição. E quando ocorrera última temporada do circuito de desfiles, a Casa de Criadores, nomes da safra de estilistas jovens baseados em São Paulo iluminarão temas ligados à nova ordem fashion. A Casa trará no próximo mês a moda de boate do estilista Rafael Caetano, a sustentáve­l da grife Neriage e a afrobrasil­eira de Isaac Silva. Mesmo sem grandes investimen­tos, os três conseguira­m espaço no breno guardar ou padosfash ionistas. O tempo de renovação criativa falado no início desta década parece ter chegado, sem estrelas solitárias, sem o “carão” dos anos 1990 e, principalm­ente, apoiada em negócios sustentáve­is que não resvalam na megalomani­a do passado recente.

Redesenhar o conceito de luxo a partir do uso de matérias-primas incomuns é mantra da costura mundial

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Com novos nomes e novos conceitos, a moda brasileira fica ao mesmo tempo mais local e mais universal
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