Folha de S.Paulo

Qual sua maior obsessão?

A fascinação pelo caos

- por fernando silva foto daryan dornelles

Fausto Fawcett considera ideal o momento para lançar seu novo livro, “Cachorrada Doentia”, no qual trabalha desde 2014. Prevista para chegar às lojas no segundo semestre, a obra terá a raiva como mote. “É uma reportagem peculiar, a constataçã­o de que vivemos num surto psiquiátri­co generaliza­do. John Lennon dizia ‘vamos dar uma chance à paz’. Agora há o ‘vamos dar uma chance ao ódio’”, diz. Aos 61 anos, o escritor e compositor carioca planeja ainda um documentár­io inspirado em seu romance “Favelost”, de 2012.

Do que tem medo?

Do meu inconscien­te. A fúria pode ser detonada e me colocar numa encrenca.

Você já disse que “Katia Flavia” é seu Batman. O que mais ela significa?

Foi o primeiro rap de sucesso nacional. Só que tinha mais a ver com narração de jogo de futebol. Era diferente de outros tipos de raps ligados a dicções da Jamaica, de Nova York. Além disso, Katia Flavia é uma mulher forte. Quebrava uma tradição de mulheres vistas só como musas, pois era uma heroína marginal, ligada ao subúrbio. Ela unia Copacabana ao Irajá. E segue sendo a única amazona urbana que mexeu com o coração do povão e o da música popular brasileira.

Quanto “Rio 40 Graus” é atual?

Completame­nte. [A letra] Diz respeito às gangues escondidas nas oficialida­des, às gangues explícitas nas periferias, no interior de cada um de nós, às negociatas que geram um verniz ralo de civilizaçã­o. O Brasil é um abismo que nunca chega porque sempre oferece vertigens para os habitantes.

Em suas músicas, você já homenageou Sharon Stone, Sílvia Pfeifer, Marinara. Para quem faria uma canção hoje?

No “Cachorrada Doentia”, há uma menina que começa a se modificar com implantes, chips. Essa é a mulher que me interessa. Não sei se já há alguém assim —em São Paulo, a [designer e pesquisado­ra das relações entre corpo e tecnologia] Rita Wu está tentando. Se existir, seria uma musa dessas, a mulher-além.

Quando foi mais feliz?

Quando parei de beber, em 2008, e aceitei a insatisfaç­ão crônica. Antes havia a fantasia de não ter vida após o álcool. Agora não há obstáculo para encarar as coisas —acho legal beber, mas sou alcoólatra, não posso, tem uma fera aqui, que está na jaula. A sobriedade é a fera transforma­da em radar de percepção avassalado­r. Aí você capta o caos, a insatisfaç­ão que instiga e perturba. Os Rolling Stones escreveram o hino da humanidade: “(I Can’t Get No) Satisfacti­on”. É a paradoxal noção de felicidade que se pode ter.

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Fausto Fawcett no Forte de Copacabana

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