Folha de S.Paulo

Uber roda com galões durante a crise e restaurant­e adapta receitas

População se adapta às restrições impostas pela falta de combustíve­is

- Thiago Amâncio

são paulo Abanana vai virar tapioca. A salada fresca, milho enlatado. Há quem vá apé ou de metrô. Quem ainda estuda vai ficar em casa. Quem trabalha, e pode, também.

Sem combustíve­l em postos, com menos ônibus em circulação e menos produtos chegando às prateleira­s dos mercados, a população se vira co- m opo depara tocar avida sem transtorno­s durante a paralisaçã­o dos caminhonei­ros.

Geremias Barbosa, 33, deixou uma loja de suplemento­s alimentare­s para atletas para trabalhar como motorista da Uber, há dois meses.

Mas agora já prevê que pode ter de parar caso o desabastec­imento continue. Já tem plano B: voltar ao comércio e trabalhar em uma loja de semijoias. “Não dá, não posso ficar parado”, afirma.

A falta de combustíve­l é especialme­nte dura para quem depende do automóvel como meio de sustento.

É oca sode Rafael Costa ,30, que também dirige pelo aplicativo e usa grupos de WhatsApp para saber e informar onde há gasolina.

Abasteceu na manhã de sábado (26), pagou R$ 3,89 por litro de etanol e ainda estava tranquilo na tarde deste domingo (27).

Na dúvida, anda com três galões no porta-malas: se encontrar algum posto com gasolina ou etanol, pode garantir um combustíve­l extra.

Em casa, também vai ser precavido. Nesta segundafei­ra (28), prometeu comprar “uns litros de leite e uns sacos de arroz”. “Tenho filho pequeno, não posso correr o risco de ficar sem comida”, resume.

A motorista Lilian Tiemi, 38, estava com aluz da reserva acesa .“Lo gomais vou para casa, não posso rodar assim.”

Gerson Rodrigues, 32, mora no centro de São Paulo, mas trabalha na zona leste da cidade, longe de qualquer metrô. Nesta segunda, a prefeitura prevê que circulem entre 60% e80%d os ônibus.Tra balhar decas anãoéu ma opção: “Eu trabalho com seguros, visitando lugares. Se não puder circular, não trabalho”, diz.

Já Luisa Gomes, 18, vai de casa, na Raposo Tavares, até a Paulista, onde faz curso prévestibu­lar, enquanto seu pai tiver gasolina no carro. “Depois disso, é estudar em casa.”

Os cafés da manhã da estudante Gabriela Apolo, 22, vão mudar nesta semana. No mercado onde faz compras, na Bela Vista, não há mais batata, cebola, cenoura, chuchu ou lasanha congelada. Nem banana. “De manhã são duas bananas e granola”, explica sua dieta. “Vou substituir por uma tapioquinh­a.”

Lá, um fenômeno chamou a atenção de funcionári­os: “Ao

mesmo tempo em que não chega mais comida, as pessoas estão comprando mais, porque ficam com medo de acabar”, resume o gerente. Como o mercado é parte de uma rede, há alguma maleabilid­ade com os estoques: produtos que vendem menos em alguma unidade são levados para onde forem mais requisitad­os, segundo o funcionári­o.

O casal Andreia Almeida e Francisco Chagas também adaptou o prato. Dos outros. Eles têm um restaurant­e que atende estudantes de medicina na Santa Casa. A saída foi trocar a salada fresca por milho enlatado e grão-de-bico. O suco de laranja natural, o mais pedido, vai ter que virar de polpa, congelada. “Consigo me virar para mais quatro ou cinco dias. Depois, vamos ver”, afirma Andreia.

Mudança do tipo também deve ser feita no food truck em que Antonio Ernesto, 50, trabalha. “Ainda bem que compramos carne e pão logo antes da greve. Mas batata encareceu muito. Devemos trocar por mandioca”, conta ele, enquanto abastece a ca- minhonete em um posto de Pinheiros—com diesel, que ainda resta em alguns postos, já que caminhões e vans, que mais usam o óleo, pararam.

Há décadas José Robério Marques trabalha como comerciant­e em São Paulo, aonde chegou nos anos 1970 vindo do interior do Ceará. Ele diz que percebeu a movimentaç­ão e resolveu se preparar. “Eu sei como essas coisas funcionam. Há quantos dias estão parados? Sabia que ia faltar. Se eu peço um saco de batata normalment­e, dessa vez pedi três”, afirma.

A estratégia não saiu barata e o aumento do preço passou para a clientela: a cebola, que custava R$ 3,35, foi a R$ 6,30. A batata, de R$ 3,80, saltou para R$ 7. Mas não há mais chuchu, repolho, mandioquin­ha, brócolis e morango, entre outros itens.

Já Celia Pollara, 67, está usando o carro do filho, para economizar gasolina. Ela mora a seis quarteirõe­s do brechó que comanda. Na terça, já decidiu que vai a pé. “Na volta, à noite vou passar por uma rua mais movimentad­a, que aí não tem perigo”, conta.

“Hoje comprei arroz, que é coisa que dura mais, e o que ainda tinha no mercado, berinjela, carne moída. Batata já não achei”, resume.

Em um posto de gasolina da região central da cidade, a última coisa que o casal Katherine Anieri Ulian, 47, e Denix Claro, 37, queria saber era de combustíve­l. No posto vazio e com bombas lacradas, eles aproveitar­am para encher os pneus de suas bicicletas. “O combustíve­l aqui é perna”, diz.

Katherine, que é professora de desenho, já percebeu que mais alunos faltaram ao longo da semana.

Claro ressalva que a paralisaçã­o os afeta de qualquer maneira. “E se eu precisar de uma ambulância?”

A Prefeitura de São Paulo diz que o Samu opera normalment­e, assim como o transporte de vacinas e medicament­os. Os hospitais municipais também estão abastecido­s com oxigênio e diesel para os geradores. Cirurgias eletivas que estavam marcadas para esta segunda, no entanto, terão que ser adiadas.

Tenho filho pequeno, não posso correr o risco de ficar sem comida”

Rafael Costa motorista

Eu sei como essas coisas funcionam. Há quantos dias estão parados? Sabia que ia faltar. Se eu peço um saco de batata, normalment­e, dessa vez pedi três José Robério Marques comerciant­e

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Nelson Antoine/Folhapress Sem combustíve­l, casal enche pneu de bicicletas em posto

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