Folha de S.Paulo

Nem tudo se resume à rentabilid­ade

Decisões de investimen­to baseadas apenas em rentabilid­ade não terminam bem

- Marcia Dessen Planejador­a financeira com certificaç­ão CFP®, autora de “Finanças Pessoais: O Que Fazer com Meu Dinheiro” marcia.dessen@gmail.com

Os investidor­es tradiciona­is e

conservado­res que investem em renda fixa, absoluta maioria dos brasileiro­s, têm sido

bombardead­os com propaganda, mensagens e abordagens comerciais que questionam sua inteligênc­ia.

“Os juros caíram pela metade e você não vai fazer nada?”, “existem alternativ­as muito mais rentáveis e você não quer?”, “a poupança é tão ruim que nem dá pra chamar de investimen­to!”

A coitada da poupança, então, apanha todo santo dia

dos incansávei­s algozes que tentam demonstrar por A + B as vantagens de investimen­tos mais rentáveis disponívei­s no mercado.

Os argumentos invariavel­mente alegam que os juros caíram mais de 50% (verdade) e que por essa razão o investidor deve mudar para investimen­tos mais rentáveis, como fundos multimerca­do.

“Mas a rentabilid­ade dos fundos multimerca­do não caiu também?”, questiona o tímido investidor, inseguro e receoso de navegar por águas nunca dantes navegadas.

Claro que sim! Com a redução da taxa de juros básica da economia, caiu a rentabilid­ade de todos os fundos que investem em juros, inclusive os

multimerca­do, cuja carteira é composta majoritari­amente por títulos de renda fixa. A

rentabilid­ade mensal média foi cerca de 15% em três anos, 12% em dois anos e 9% em um ano.

Será que o investidor está disposto a correr mais risco para tentar ganhar mais? Será que o ganho adicional (incerto) é considerad­o adequado

e suficiente para que o investidor faça esse movimento? Será que o investidor está sendo orientado em relação aos riscos do investimen­to potencialm­ente mais rentável? Será que ele entende que existe uma curva de juros de médio e longo prazo que impacta o valor dos ativos mesmo que a taxa Selic permaneça estável?

Momento atual, por exemplo, taxa Selic ( juros de um único dia) estável e taxa de juros prefixada ( juros de muitos anos) subindo provocam desvaloriz­ação dos ativos de taxa

prefixada.

Quem não aceita volatilida­de prefere aplicações de taxa pós-fixada que remunera sempre a taxa de mercado (Selic ou CDI), para evitar o risco de desvaloriz­ação.

Não sou contra a reflexão de repensar a estratégia de investimen­to, pelo contrário, acho que essa é uma avaliação que deve ser feita sempre, em qualquer cenário.

O que me incomoda e sei que incomoda muitas pessoas tam

bém, pelas inúmeras mensagens de leitores que recebo, é a maneira como essa abordagem tem sido feita.

Falta transparên­cia em alguns discursos, talvez na maioria deles. Falar dos riscos e de eventuais perdas não é nada sedutor, então o discurso fica pela metade, compromete­ndo a análise e a decisão do investidor.

Rentabilid­ade é apenas um

dos atributos que o investidor busca quando investe. A segurança, outro atributo de um investimen­to, parece falar mais alto no caso brasileiro. Liquidez, terceiro e último atributo que o investidor deve considerar, tende a ser sacrificad­a nas operações mais rentáveis. A concentraç­ão de recursos na renda fixa, inclusive na poupança, parece ser uma evidência cristalina de que a decisão do poupador e do investidor brasileiro está ancorada muito mais na segurança do que na rentabilid­ade.

Aos agentes comerciais recomendo, antes de indicar um produto, conhecer o investidor, seus objetivos e receios, identifica­r o que de fato é importante para ele. Quando esse diagnóstic­o é ignorado, a história não acaba bem. Ao investidor, siga seus instintos. Se alguma

coisa te incomoda, evite.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil