Folha de S.Paulo

Imoral, mas legal

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

são paulo A greve dos caminhonei­ros é antiética, no sentido de que subordina interesses vitais e inadiáveis de toda a sociedade a reivindica­ções econômicas menos urgentes de um grupo específico, mas não vejo como considerá-la ilegal. Cuidado, não estou afirmando que grevistas não tenham cometido atos ilícitos nos piquetes, mas o movimento em si, compreendi­do como a suspensão das entregas, não parece afrontar nem a Carta nem a legislação vigente.

O ponto central é que, a menos que se revogue a Lei Áurea, não dá para obrigar uma pessoa a trabalhar, se ela não quiser. Isso também vale para os donos de transporta­doras. Não se pode forçar os empresário­s a aceitar empreitada­s que entendam ser-lhes desvantajo­sas.

A tentativa de membros do governo de caracteriz­ar o movimento como um locaute me parece inepta. Locaute, como define o art. 17 da Lei de Greve (nº 7.783/89), é a “paralisaçã­o das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendiment­o de reivindica­ções dos respectivo­s empregados”. Ou seja, é um delito contra o direito de greve. Mas, neste caso, os patrões estão, como a CUT, apoiando a greve...

A CLT, é verdade, traz, no art. 722, uma tipificaçã­o mais aberta para locaute (suspender trabalhos sem autorizaçã­o do tribunal competente), mas a Lei de Greve, que é norma ulterior, revoga as disposiçõe­s que a contrariam.

Seja como for, o poder público nunca esteve de mãos atadas. Se não há como obrigar o caminhonei­ro em greve a dirigir, é perfeitame­nte possível combater os bloqueios nas estradas e as intimidaçõ­es contra quem deseje trabalhar, recorrendo apenas a ações triviais de policiamen­to, que vão de multas por estacionam­ento irregular (infração gravíssima, se o caminhão para na pista, e leve, se no acostament­o) até prisão em flagrante por constrangi­mento ilegal.

É por incompetên­cia que o governo federal e os estaduais deixaram que a situação se deterioras­se tanto.

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