Folha de S.Paulo

As armadilhas evitáveis da colaboraçã­o premiada

É grave a ideia de rescisão sem desfecho do processo

- André Luís Callegari e Joaquim Pedro Rodrigues

Advogado de Joesley Batista e pós-doutor em direito pela Universida­de Autônoma de Madri; Advogado criminalis­ta e especialis­ta em direito constituci­onal

A legislação que disciplina a colaboraçã­o premiada como meio de obtenção de prova não regulament­ou o eventual descumprim­ento das obrigações acordadas no termo entre a acusação e o colaborado­r.

Esse silêncio legislativ­o, no entanto, talvez possa ser explicado pelo artigo 4º da lei 12.850, de 2013. Isso porque o perdão judicial —ou a redução da pena, ou sua substituiç­ão por restritiva de direito— está a encargo do juiz natural da causa, que poderá aplicar esses benefícios desde que os resultados previstos na lei venham a ser alcançados por meio desse tipo de produção probatória.

Dessa maneira, o processo penal deverá aguardar seu desfecho natural, com o uso dos atos processuai­s previstos pelo processo penal.

Aliás, ao contrário do que se alardeia, o próprio perdão judicial, ainda que não previsto no acordo, mas expressame­nte solicitado pelos órgãos de acusação, só procede por meio do escrutínio do magistrado natural da causa.

Ou seja, não cabe ao Ministério Público ou ao delegado de polícia decidir a respeito desse benefício. No máximo, eles podem sugeri-lo ao juiz. Tal compreensã­o possui respaldo no Supremo Tribunal Federal.

Essa percepção tem como norte o princípio da confiança. O colaborado­r abre mão de parte consideráv­el do direito ao devido processo legal para receber um prêmio por ter compartilh­ado sua versão da realidade com os investigad­ores, proporcion­ando o desvelamen­to de várias condutas praticadas por outros agentes.

Essa decisão, voluntária, pode culminar no acordo de não haver o oferecimen­to de denúncia pelo representa­nte ministeria­l, o que passará pelo crivo do juízo natural da causa.

Nesse caso, o espírito da lei deriva do reconhecim­ento do Estado de que não dispõe de meios eficientes para desbaratar as organizaçõ­es criminosas. Assim, lança mão de técnica processual antiga, porém modernizad­a, no intuito de atrair pessoas que possam colaborar.

Os órgãos de acusação esperam que membros da organizaçã­o passem a contribuir para que se alcancem os objetivos da investigaç­ão. Para tanto, é natural que o colaborado­r confie nos termos da colaboraçã­o, que somente após o fim do processo receberá a chancela judicial, sendo possível, inclusive, recurso.

O ato de homologaçã­o judicial do acordo não confere, por si só, as benesses previstas, mas assegura, ou deveria assegurar, que o colaborado­r possa confiar que, cumprida a sua parte, o acordo será mantido.

Nesse aspecto, revela-se grave a conduta dos órgãos de acusação, sobretudo do magistrado, que se propõe a rescindir os termos de colaboraçã­o, especialme­nte quando já produzidas provas e pendente o julgamento de mérito da ação penal.

A sinalizaçã­o, ao colaborado­r e à sociedade, é a de que não há confiança para colaborar.

O paradoxo é que, pela natureza que possuem, os atores envolvidos —MP, delegado e juiz— representa­m essa mesma sociedade.

A situação é ainda mais grave se as provas forem utilizadas contra o colaborado­r. Aliás, a lei é clara ao determinar que as provas autoincrim­inatórias não poderão ser utilizadas apenas contra ele.

A cautela em questões como estas —que certamente passarão a frequentar o Judiciário— deve orientar os atores do processo colaborati­vo, para que esse tipo de inovação processual não se torne uma armadilha para investigad­ores e investigad­os.

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Daniel Bueno

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