Folha de S.Paulo

Momento decisivo para a transparên­cia partidária

TSE deve divulgar prestação de contas das siglas

- Marcelo Issa e Roberto Livianu

Advogado e cientista político, coordenado­r do Movimento Transparên­cia Partidária; Promotor de Justiça, doutor em direito (USP) e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção

Mesmo desmoraliz­ados, os partidos são vitais para o futuro da nossa democracia —eles fazem a seleção prévia de quem poderá nos representa­r e recebem dinheiro público. É evidente que precisam prestar contas à sociedade.

A análise das prestações de contas anuais dos partidos ao TSE está muito atrasada. Foram julgadas contas de 2012, e há uso reincident­e de notas falsas, contrataçã­o de empresas inexistent­es e caso de partido que contratou a empresa do próprio tesoureiro.

Isso não impediu que, em 2018, o volume de recursos públicos destinados às legendas chegasse a quase R$ 3 bilhões, ficando mais difícil analisar manualment­e as contas. Os processos pendentes de julgamento já somam quase 1.200.000 páginas.

Para declarar o IR, usamos um formulário eletrônico, e isso facilita o trabalho de quem declara e também de quem fiscaliza. Ao receber dados organizado­s, a Receita consegue processar rapidament­e mais de 28 milhões

de declaraçõe­s.

Em 2006, a Justiça Eleitoral tentou implementa­r um sistema eletrônico para prestação das contas partidária­s, mas houve forte resistênci­a das siglas, e a inovação acabou engavetada. Com isso, os partidos continuara­m a enviar suas prestações de contas no papel, muitas vezes usando categorias genéricas para justificar gastos, como serviços técnicos ou manutenção da sede.

Recentemen­te, a Justiça Eleitoral passou a exigir que os partidos utilizem uma ferramenta eletrônica para prestar contas e, no último dia 30 de abril, encerrou-se o prazo para partidos lançarem na ferramenta seus dados contábeis de 2017.

Esse é o primeiro passo para conferir efetiva transparên­cia às suas contas. Agora, é preciso que essas informaçõe­s sejam abertas à população.

A Constituiç­ão inclui a transparên­cia das informaçõe­s de interesse coletivo entre os direitos e garantias fundamenta­is. Estabelece ao poder público, ainda, o dever de prestá-las, o que também é assegurado pela Lei de Acesso à Informação Pública, que acaba de completar seis anos de vigência.

Como membro-fundador da coalizão internacio­nal Open Government Partnershi­p, o Brasil assumiu o compromiss­o de manter publicadas e atualizada­s todas as bases de dados governamen­tais que não implicam riscos à segurança individual ou coletiva.

Longe de significar interferên­cia nas decisões “interna corporis” das siglas, a abertura das contas dos partidos é precondiçã­o material de participaç­ão política consciente e corolário da própria democracia, que os partidos devem resguardar por expressa determinaç­ão constituci­onal.

Espera-se que o TSE publique nesta sexta (1º) as bases de dados com as movimentaç­ões financeira­s dos partidos em 2017. Diversas entidades têm interesse nesses dados. Ao acessá-los, organizaçõ­es da sociedade civil, universida­des, imprensa e cidadãos em geral poderão utilizar ferramenta­s tecnológic­as para rapidament­e fazer cruzamento­s e analisar as contas partidária­s, indicando à Justiça quando houver indícios de desvios de finalidade, distorções ou mesmo ilegalidad­e no uso dos recursos recebidos pelos partidos.

Os partidos são entes privados com responsabi­lidades públicas, especialme­nte a da accountabi­lity (prestação de contas) —que se alimenta da luz solar, o melhor de todos os desinfetan­tes, nas sábias palavras de Louis Brandeis (1856-1941). Afinal, a lei é para todos.

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