Folha de S.Paulo

Próximo presidente também deve cair

Locaute e concessões indicam que estamos num ciclo de instabilid­ade institucio­nal

- Reinaldo Azevedo Jornalista, autor de “O País dos Petralhas” I e II

O locaute, a reação da sociedade e as concessões feitas pelo governo indicam que estamos num ciclo de instabilid­ade institucio­nal. Será longo. Ciclos são marcados por regularida­de e reiteração de eventos e por fenômenos que se conectam em série. É como se existisse, de fato, um “espírito do tempo” a deitar sua sombra fatalista sobre a história.

É bobagem, mas a ideia é sedutora. Este escrevinha­dor considera estar além das suas sandálias responder se, afinal, há uma “causa não causada” para tudo o que existe. No debate público, prefiro o universo das coisas causadas.

Sociedades passam por desajustes que levam a reajustes e à formação de novos consensos. Diante da ameaça do colapso, as forças que contam adotam ou acatam medidas protetivas em defesa do sistema que lhes garante voz, identidade e voto.

O que se viu no Brasil não é inédito na história, mas é raro. Assistimos a um flerte com o suicídio coletivo —e, dentro deste, algo ainda mais exótico, que é o suicídio de retaliação: “Vou me vingar com a autoimolaç­ão”. Exemplific­o: sindicatos ligados ao agronegóci­o chegaram até a oferecer tratores para bloquear as estradas. Na pauta dos grevistas, desde sempre, estavam a majoração e o tabelament­o do frete, o que eleva brutalment­e os custos do... agronegóci­o.

Em 1959, “White Wilderness”, produzido pela Disney, ganhou o Oscar de melhor documentár­io. Retratava o suicídio coletivo dos lêmingues, roedores que promovem migrações em massa atendendo ao instinto de... sobrevivên­cia! O “documentár­io” é um misto de ignorância e farsa. Mas a Disney pode se redimir. Os brasucas estamos por aqui. Topamos saltar do abismo, cair no oceano e nadar, por nada, até que as águas traguem a nossa exaustão. Somos os verdadeiro­s roedores de presentes promissore­s e de amanhãs que não virão.

O Datafolha foi bastante eloquente. A esmagadora maioria dos brasileiro­s se solidarizo­u com a greve, mas rejeitou a satisfação da pauta. Apoia o festim, mas não topa pagar a conta. Essa massa está caminhando para as urnas, mais ou menos como os lêmingues da Disneysegu­iamparaode­sfiladeiro. Cálculos preliminar­es e, entendo, modestos apontam um prejuízo que roça os R$ 100 bilhões. O impacto negativo no PIB pode chegar a um ponto percentual —em números de 2017, R$ 66 bilhões. Será maior porque estamos em cresciment­o.

O que há de regular, reiterado, sérico e interconec­tado nestes dias? Resposta: a destruição do homem público, da ordem democrátic­a, dos fundamento­s legais. E os lêmingues verde-amarelos o fazem sob o pretexto de combater a corrupção, que seria a causa primeira, a “causa não causada”, de todos os nossos males, o que é uma mentira por definição.

Em quatro anos, a Lava Jato recuperou, de fato, R$ 1,5 bilhão para a Petrobras. O resto ainda é promessa. Aplausos! O espírito que a operação engendrou, ou seu mau espírito —a causa causada do desastre—, no entanto, provocou só com a greve algo em torno de R$ 10 bilhões de prejuízo por dia.

A depredação do meio ambiente institucio­nal, democrátic­o e pluralista era um monopólio da esquerda. Setores da direita resolveram disputar esse mercado, mimetizand­o e, se me permitem, “memetizand­o” até a linguagem dos esquerdist­as. Não por utopia mal digerida, mas por pilantrage­m.

Desde quando advirto, aqui e em toda parte, para os ricos? Não obstante, no dia 26, em meio ao caos, o ministro Roberto Barroso, do STF, notório depredador da Constituiç­ão e do direito de defesa, anunciou, num encontro de juízes em Maceió, a capital mais violenta do país para os pobres sem toga, que estamos apenas num começo de era.

Uma amiga, admiradora, como sou, de “O Nome da Rosa”, de Umberto Eco, notou: “Era o Bernardo Gui discursand­o...”, numa referência ao inquisidor, personagem histórico (1262-1331) que aparece no romance.

E é do livro que extraio esta síntese: “Há pouca diferença entre o ardor dos Serafins e o ardor de Lúcifer porque nascem ambos de uma inflamação extrema da vontade”.

Dificilmen­te o próximo presidente conclui o mandato. Ciclo longo.

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