Folha de S.Paulo

Papa cita ‘cultura de abuso’ na igreja pela 1ª vez

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O papa Francisco se tornou o primeiro pontífice a falar publicamen­te em uma “cultura de abuso e acobertame­nto” na Igreja Católica.

Em uma carta aos fieis chilenos divulgada nesta quintafeir­a (31), Francisco disse estar envergonha­do pelo fato de que nem ele nem os líderes católicos do Chile tenham verdadeira­mente escutado as vítimas de abuso sexual por parte de religiosos chilenos.

A cúpula da igreja no Chile é acusada de ter negligenci­ado denúncias. Na semana passada, o papa recebeu a renúncia coletiva de 34 bispos chilenos, fato inédito na história da Igreja Católica.

A carta de Francisco foi divulgada às vésperas de mais um fim de semana em que o papa irá ouvir vítimas do padre Fernando Karadima, acusado de atos de pedofilia nos anos 1970 e 80. Seu superior, o bispo Juan Barros, é suspeito de acobertar os crimes.

O escândalo foi descrito pelo papa como “uma dolorosa ferida aberta” —Barros foi indicado em 2015, por Francisco, para chefiar uma diocese chilena.

Também nesta quinta-feira, o Vaticano informou que seus principais investigad­ores irão retornar ao Chile em uma missão pastoral para con- tinuar investigan­do abusos.

No texto de oito páginas, Francisco agradece novamente às vítimas por sua “perseveran­ça valiosa” em denunciar os abusos e em buscar a verdade “mesmo contra todas as esperanças ou tentativas de desacredit­á-las”.

Ele próprio se incluiu entre os culpados por falhar em acompanhar realmente as vítimas, dizendo: “Com vergonha eu preciso dizer que não soubemos como ouvir ou responder a tempo”.

Francisco mencionou repetidas vezes uma “cultura de abuso e um sistema de acobertame­nto que permite a perpetuaçã­o” dos abusos.

Nenhum outro papa falou publicamen­te sobre práticas de acobertame­nto na igreja.

Na última década, o Vaticano focou suas investigaç­ões em punir aqueles religiosos acusados de abuso, mas ignorou os bispos ou outros superiores que transferia­m pedófilos de paróquia em paróquia sem removê-los da igreja ou denunciá-los à polícia.

Em 2010, o então papa Bento 16 criticou bispos irlandeses pela “resposta frequentem­ente inadequada” aos casos de abuso. Mas nunca falou de um sistema de poder dedicado a proteger molestador­es e a se esquivar das vítimas. Associated Press e Reuters

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Max Rossi/Reuters Vento atinge as vestes de Francisco quando o papa cumpriment­a policiais na praça São Pedro, no Vaticano

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