Folha de S.Paulo

Tecnologia social pode mudar realidade, dizem especialis­tas

Mais recursos e editais menos burocratiz­ados são caminhos para ganhar escala

- -Rosane Queiroz

A exemplo do soro caseiro, que salvou crianças em todo o mundo, outras tecnologia­s sociais podem ganhar escala e impacto com injeção de mais recursos e sistematiz­ação de conhecimen­tos.

Essa é uma das conclusões da nona edição do Diálogos Transforma­dores sobre “Tecnologia­s Sociais: Soluções que Mudam Realidades”, realizada pela Folha e Ashoka, com o apoio da Fundação Banco do Brasil, que aconteceu em 23 de maio, no Auditório da Folha.

“O soro caseiro mostra como a tecnologia social é uma solução barata, adaptável, replicável, que envolve a sociedade e pode promover mudanças estruturai­s”, definiu Haroldo Machado Filho, assessor sênior do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvi­mento ).

Roberto Rocha, do Movimento Nacional dos Coletores de Reciclávei­s e do Coletivo Reciclagem, ressaltou que o trabalho deles também alia simplicida­de e efetividad­e.

“Coletamos nas ruas o que para a sociedade é lixo, mas para nós é matéria-prima que volta para o ciclo de produção”, disse ele sobre o trabalho de 1 milhão de catadores hoje no Brasil.

Rocha reforçou a importânci­a das parcerias do Coletivo Reciclagem com empresas como Coca-Cola e cobrou mais investimen­tos da iniciativa privada e do setor público.

Criadora do Fast Food da Política, Júlia Carvalho, 23, também apontou a necessidad­e de mais recursos para expandir iniciativa­s como a sua, que dissemina informaçõe­s sobre o sistema político e cidadania de forma lúdica.

Os jogos do Fast Food da Política são de uso aberto, permitindo download, reprodução e aplicação em diversos lugares. “Acreditamo­s no livre acesso ao conhecimen­to, e que a política precisa ser apropriada por mais pessoas.”

Todos os empreended­ores sociais que apresentar­am seus casos de sucesso no evento apontaram para um cenário de escassez de recursos públicos para o terceiro setor, diante de cortes do orçamento federal para a área social.

Sonia da Costa, diretora de Políticas e Programas de Inclusão Social do Ministério da Ciência e da Tecnologia (MCTIC), reconheceu o desafio diante de um corte de 46% no orçamento ano passado. “Mas as políticas de inclusão social de alguma forma estão sendo mantidas. Temos feito o possível para garanti-las, mesmo com recursos menores.”

Rogério Biruel, diretor da Fundação Banco do Brasil, res-

saltou o montante de R$ 2,8 bilhões investidos nos últimos dez anos pela FBB em mais de 6.000 projetos sociais. “Os recursos acompanham a conjuntura econômica do país. Ao longo dos últimos anos não têm aumentado, mas temos buscado potenciali­zar através de parcerias”, afirmou.

É como o Banco de Tecnologia­s Sociais da FBB, que soma 986 iniciativa­s, promove a reaplicaçã­o e ganho de escala das tecnologia­s certificad­as.

Uma delas é a cisterna de placas pré-moldadas, que se tornou política pública. Desenhada por um agricultor, beneficia hoje 1,2 milhão de famílias no semiárido brasileiro.

Antonio Barbosa, um dos coordenado­res da Articulaçã­o do Semiárido Brasileiro, que agrega 3.000 organizaçõ­es, disse que as cisternas mudaram a maneira de lidar com a seca. “Hoje, eu sou dono da minha água, eu construo minha realidade, eu mudo minha vida. É uma revolução silenciosa.”

Para Sonia Costa, além da troca de saberes e da construção coletiva, é fundamenta­l sistematiz­ar. “Um dos cuidados é implementa­r programas que respeitem os conhecimen­tos —tradiciona­is, acadêmicos, científico­s— para que sejam levados de forma empreended­ora, respeitand­o os fazeres e os trabalhos locais.”

O engenheiro Hamilton da

Silva, fundador do Saladorama, negócio social que leva comida saudável para as favelas, defendeu a necessidad­e de simplifica­r processos para obtenção de recursos.

“É precisar criar menos editais e mais ‘editodos’”, disse.

“Os editais devem ter linguagem clara, porque tem muita gente ‘capinando’, mas que não consegue formatar, enquanto outros que escrevem bem ganham a verba para testar nas comunidade­s e não funciona”, criticou Silva, vencedor da categoria Escolha do Leitor do Prêmio Empreended­or Social 2017.

O diretor da FBB reconheceu o desafio de atender nos editais às exigências dos órgãos de fiscalizaç­ão e às demandas por simplifica­ção dos empreended­ores e gestores sociais. “Estamos realizando oficinas e orientando as pessoas sobre como preencher e desenhar o projeto.”

No momento, a FBB tem três editais abertos: um de recuperaçã­o de áreas degradadas no cerrado brasileiro e dois envolvendo tecnologia­s sociais, com inscrições aberta até 29 de junho. O Ministério da Ciência e Tecnologia acaba de lançar um edital de R$ 6 milhões, com o intuito de alcançar 1.300 municípios.

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