Folha de S.Paulo

No Real Madrid, Zidane foi um estrategis­ta para ganhar títulos

Técnico francês pediu demissão cinco dias após vencer sua terceira Liga dos Campeões no comando do time

- -Luís Curro

Chegar ao topo é difícil. Manter-se, mais difícil ainda. No futebol é assim, sempre foi. Zinédine Zidane sabe.

O treinador francês, que surpreende­ntemente pediu demissão do Real Madrid nesta quinta-feira (31), conseguiu em seus quase dois anos e meio pelo clube o que ninguém conseguiu.

Em 13 competiçõe­s oficiais disputadas, ganhou nove, entre elas três Ligas dos Campeões da Europa, dois Mundiais de Clubes (100% de aproveitam­ento em ambos) e um Campeonato Espanhol.

Também faturou duas Supercopas da Europa e uma Supercopa da Espanha.

Teve 75% de aproveitam­ento dos pontos, com 108 vitórias e 31 empates em 158 jogos (oficiais e não oficiais). Foram só 19 derrotas —menos de uma por mês, em média.

Mesmo com todo sucesso, nunca se sentiu devidament­e valorizado como técnico. Era constantem­ente criticado pela mídia, para quem lhe faltava a qualidade de estrategis­ta. A mídia estava errada.

A melhor estratégia que um treinador pode oferecer a uma equipe, muito mais do que implementa­r esquemas táticos mirabolant­es, é a vitória. É amealhar troféus. E isso Zidane fez com maestria.

O Real, sob o comando do sereno Zizou, ergueu uma taça a cada três meses, em média.

Isso em um curto período de dois anos e cinco meses. Isso em seu primeiro trabalho em um time de elite. Isso é o que se pode chamar, sem nenhum exagero, de fenômeno.

Também havia setores da torcida do Real que estavam descontent­es com Zidane. Uma espécie de “turma do amendoim” local.

Gente que quer que o time ganhe todo jogo, sempre jogando bem, sempre de goleada. Algo impossível no futebol.

Outro ponto a ser lembrado: talvez o gigante de Madri seja o clube cuja diretoria mais exija de seu técnico.

Qualquer derrota é vista como uma catástrofe. Uma eliminação, então, é uma hecatombe. Treinador, para ser bom, tem que ganhar até par ou ímpar. Dia após dia.

Zidane, frise-se, sempre soube dessa pressão —da mídia, da torcida e da direção. Foi jogador do clube por cinco temporadas, de 2001 a 2006. Nesse intervalo, o time teve seis treinadore­s, incluindo Vanderlei Luxemburgo. Bem ou mal, soube lidar com a corda diariament­e em seu pescoço —alguns dias mais apertada, outros mais frouxa.

“Se não vejo com clareza que vamos continuar ganhando, é melhor mudar para não continuar e fazer besteiras”, afirmou ele na entrevista em que anunciou que não cumpriria o contrato que tinha até 2020.

Ficam dois mistérios nesse discurso. O primeiro: quais besteiras ele poderia vir a fazer. O segundo: onde enxergou que não há clareza para prosseguir vencendo. Pois capacidade Zidane mostrou, com sobras, que tem.

Inclusive de administra­r um time repleto de estrelas (Cristiano Ronaldo, Sergio Ramos, Benzema, Bale, Modric, Marcelo, Kroos) e que, justamente por essa fartura de talento, é sempre favorito a ganhar tudo.

Certamente um dia, em entrevista, ele detalhará os bastidores de sua saída. É bem possível que haja razões não explicitad­as, algo que prefira guardar por ora apenas para si.

Hoje, o que é claro é que, aos 45 anos, Zidane deixa o Real Madrid por cima. Mídia, torcida, diretoria, todos sentirão saudades de sua figura e de seu sorriso fácil —e o valorizarã­o como nunca fizeram.

Zizou sai com as portas abertas, escancarad­as até, para voltar. Quando e se quiser.

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Borja B. Hojas/Associated Press Zidane olha para o presidente do Real Madrid, Florentino Perez, durante entrevista nesta quinta

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