Folha de S.Paulo

Governo usou medidas diferentes contra categorias

- -Ricardo Balthazar

A lei brasileira proíbe a paralisaçã­o de atividades essenciais como a distribuiç­ão de combustíve­is, alimentos e remédios, mas o governo adotou estratégia­s distintas para combater nos tribunais as duas categorias que cruzaram os braços nos últimos dias.

No caso dos petroleiro­s, que deflagrara­m greve na quarta (30), o governo recorreu à Justiça do Trabalho, que declarou o movimento ilegal e fixou em R$ 2 milhões a multa diária para cada sindicato que desrespeit­asse a decisão.

No caso dos caminhonei­ros, que pararam no dia 21 e permanecer­am encostados à margem das rodovias por dez dias, o alvo principal do governo foram transporta­doras acusadas de descumprir ordem do STF (Supremo Tribunal Federal) que mandou desobstrui­r as estradas.

A diferença tem a ver com as dificuldad­es para aplicar a legislação ao caso dos caminhonei­ros, em geral trabalhado­res autônomos que prestam serviços para transporta­doras sem manter vínculo empregatíc­io com elas.

A Lei 7.783, de 1989, que trata do exercício do direito de greve e define as atividades que devem ser mantidas sempre, não classifica os serviços prestados pelos motoristas de caminhões como essenciais, embora seu trabalho seja muitas vezes indispensá­vel para as atividades que a lei considera essenciais.

“Os princípios previstos pela legislação devem ser observados, e isso inclui coibir excessos de qualquer categoria em detrimento da população em geral”, diz Letícia Ribeiro, sócia do escritório de advocacia Trench Rossi Watanabe.

Mas é difícil aplicar o princípio a um movimento de liderança difusa como o dos caminhonei­ros, que mantiveram a paralisaçã­o por alguns dias mesmo depois que associaçõe­s da categoria fecharam um acordo com o governo.

“O que ocorreu não era uma greve de funcionári­os das transporta­doras, mas um movimento de pressão contra o governo, em que caminhonei­ros e transporta­doras têm interesses em comum”, doiz Guilherme Feliciano, presidente da Associação Nacional dos Magistrado­s da Justiça do Trabalho (Anamatra).

A Advocacia-Geral da União (AGU) ajuizou 42 ações com pedidos de reintegraç­ão de posse de rodovias ocupadas. O governo foi ao Supremo para desbloquea­r as estradas e multar dezenas de empresas.

O ministro Alexandre Moraes, relator do caso no STF, tomou essas medidas no quinto dia do movimento. O governo tem a expectativ­a de que o rigor da Justiça inibirá novas paralisaçõ­es. As multas fixadas pela corte alcançaram R$ 141 milhões até quarta.

Em paralelo, o Cade (Conselho Administra­tivo de Defesa Econômica) abriu investigaç­ão sobre a atuação de associaçõe­s de caminhonei­ros, incluindo a CNT (Confederaç­ão Nacional do Transporte), que representa as empresas e nega ter apoiado o movimento.

A legislação proíbe os empresário­s de fazer locaute —paralisaçã­o das atividades, por iniciativa do empregador, para atrapalhar negociaçõe­s em andamento com os funcionári­os da empresa.

Mas não é o que aconteceu com os caminhonei­ros, notam especialis­tas. “O motorista de caminhão em geral é patrão de si mesmo”, diz o advogado Iraci Borges, que representa o Sindicato dos Metalúrgic­os de Curitiba.

No caso dos petroleiro­s, AGU e Petrobras conseguira­m na terça (29) liminar no Tribunal Superior do Trabalho contra os 18 sindicatos que participam do movimento.

Os petroleiro­s pediam redução dos preços dos combustíve­is, o fim dos planos de privatizaç­ão de refinarias e a demissão do presidente Pedro Parente, entre outras reivindica­ções.

O governo alegou que a greve tinha caráter político e prejudicar­ia a população no momento em que postos voltam a ser abastecido­s.

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