Governo usou medidas diferentes contra categorias
A lei brasileira proíbe a paralisação de atividades essenciais como a distribuição de combustíveis, alimentos e remédios, mas o governo adotou estratégias distintas para combater nos tribunais as duas categorias que cruzaram os braços nos últimos dias.
No caso dos petroleiros, que deflagraram greve na quarta (30), o governo recorreu à Justiça do Trabalho, que declarou o movimento ilegal e fixou em R$ 2 milhões a multa diária para cada sindicato que desrespeitasse a decisão.
No caso dos caminhoneiros, que pararam no dia 21 e permaneceram encostados à margem das rodovias por dez dias, o alvo principal do governo foram transportadoras acusadas de descumprir ordem do STF (Supremo Tribunal Federal) que mandou desobstruir as estradas.
A diferença tem a ver com as dificuldades para aplicar a legislação ao caso dos caminhoneiros, em geral trabalhadores autônomos que prestam serviços para transportadoras sem manter vínculo empregatício com elas.
A Lei 7.783, de 1989, que trata do exercício do direito de greve e define as atividades que devem ser mantidas sempre, não classifica os serviços prestados pelos motoristas de caminhões como essenciais, embora seu trabalho seja muitas vezes indispensável para as atividades que a lei considera essenciais.
“Os princípios previstos pela legislação devem ser observados, e isso inclui coibir excessos de qualquer categoria em detrimento da população em geral”, diz Letícia Ribeiro, sócia do escritório de advocacia Trench Rossi Watanabe.
Mas é difícil aplicar o princípio a um movimento de liderança difusa como o dos caminhoneiros, que mantiveram a paralisação por alguns dias mesmo depois que associações da categoria fecharam um acordo com o governo.
“O que ocorreu não era uma greve de funcionários das transportadoras, mas um movimento de pressão contra o governo, em que caminhoneiros e transportadoras têm interesses em comum”, doiz Guilherme Feliciano, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
A Advocacia-Geral da União (AGU) ajuizou 42 ações com pedidos de reintegração de posse de rodovias ocupadas. O governo foi ao Supremo para desbloquear as estradas e multar dezenas de empresas.
O ministro Alexandre Moraes, relator do caso no STF, tomou essas medidas no quinto dia do movimento. O governo tem a expectativa de que o rigor da Justiça inibirá novas paralisações. As multas fixadas pela corte alcançaram R$ 141 milhões até quarta.
Em paralelo, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) abriu investigação sobre a atuação de associações de caminhoneiros, incluindo a CNT (Confederação Nacional do Transporte), que representa as empresas e nega ter apoiado o movimento.
A legislação proíbe os empresários de fazer locaute —paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, para atrapalhar negociações em andamento com os funcionários da empresa.
Mas não é o que aconteceu com os caminhoneiros, notam especialistas. “O motorista de caminhão em geral é patrão de si mesmo”, diz o advogado Iraci Borges, que representa o Sindicato dos Metalúrgicos de Curitiba.
No caso dos petroleiros, AGU e Petrobras conseguiram na terça (29) liminar no Tribunal Superior do Trabalho contra os 18 sindicatos que participam do movimento.
Os petroleiros pediam redução dos preços dos combustíveis, o fim dos planos de privatização de refinarias e a demissão do presidente Pedro Parente, entre outras reivindicações.
O governo alegou que a greve tinha caráter político e prejudicaria a população no momento em que postos voltam a ser abastecidos.