Não há lógica nenhuma em propor ruptura com democracia e volta da ditadura
Era uma coisa impensável. Agora, se repete em toda parte, com estridência. A qualquer pretexto, surgem manifestantes em favor de uma intervenção militar.
Quantos são? Quem são? De onde vêm? Não há sinal de que respondam a algum comando organizado.
Do núcleo duro do governo Temer aos seus mais extremados opositores, nenhuma força política parece pronta a apoiá-los. Até mesmo Jair Bolsonaro, defensor da ditadura, negou solidariedade ao movimento. A cúpula das Forças Armadas reprova de público qualquer ruptura com a democracia.
A poucos meses da eleição presidencial, não há lógica nenhuma em propor uma coisa dessas.
O que não impede, naturalmente, que determinados candidatos e lideranças colham benefícios do clima autoritário reinante. O compromisso de um general qualquer com a Constituição pode se tornar menos enfático e convicto, se crescer a pressão por um golpe. Eleito alguém como Bolsonaro, nada o impediria de ouvir “o apelo das ruas” e restringir as liberdades democráticas. Diante de uma ameaça de caos generalizado, suposta ou real, o próprio governo Temer pode se ver tentado a impor medidas de emergência que o salvem, e a seu grupo, dos incômodos da Lava Jato e das suas consequências eleitorais.
Há golpes e golpes, como sabemos. O fechamento do Congresso e a deposição do presidente depois de uma investida com tanques e soldados colocaria o país em insuportável situação de isolamento internacional.
Mas um estado de sítio “aprovado” pelo Congresso, com canalhices a conta-gotas, mudanças na estrutura do Judiciário, ataques a movimentos sociais escolhidos a dedo e coisas desse tipo, passaria apenas como um “momento de crise” para a opinião pública mundial. Representaria, a meu ver, apenas a radicalização indesejável, mas não muito surpreendente, do que se tentou fazer durante o governo Temer, sem sucesso.
Num país em que falar mal de políticos é um passatempo unânime, há mesmo certa lógica na imbecilidade desses manifestantes: sem políticos, sobram os militares.
Sobram, também, ignorância, desespero, oportunismo, histeria, truculência e estupidez. Veja-se o apoio de golpistas à greve dos caminhoneiros. A mais superficial memória do regime imposto em 1964 faria notar que, naquele tempo de intolerância, movimentos de reivindicação —mesmo os mais razoáveis eram sumariamente proibidos.
A argumentação parece valer pouco, em todo caso, diante de quem só vê no vandalismo, na pedrada, no assassinato e na milícia os meios para realizar aspirações contraditórias, infantis e irrealistas.
O governo Temer conta com quase nulo apoio popular. Substituí-lo pela intervenção armada é trocar o ruim pelo péssimo –o péssimo pelo infame, o infame pelo inominável.
O tempo do terror, da censura e da inconstitucionalidade terminou. A minoria dos que o desejam de volta merece a repulsa de todos os setores democráticos da sociedade. É hora de dar um basta nisso.