Folha de S.Paulo

Chegou a hora de cobrar a conta do locaute

Todos vão pagar, mas há empresário­s que devem responder por algo que é crime

- Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a”

Demorou uma semana, mas saiu a primeira prisão. A Polícia Federal trancou Vinicius Pellenz, da empresa Irapuru, de Caxias do Sul (RS). Ele é acusado de intimidar motoristas de outras empresas: “Ô, nego, para teu caminhão. (...) Não leva milho, não faz nada para a Agrosul”.

Desde o primeiro momento sabia-se que por trás do movimento dos caminhonei­ros havia um locaute de empresas transporta­doras. O que não se sabia era que havia mais que isso. Havia intimidaçõ­es, como a de Pellenz, agromilíci­as, golpistas e jagunços infiltrado­s nas obstruções de rodovias. Em apenas 12 horas, o aplicativo “SOS Caminhonei­ros”, do governo federal, recebeu 2.000 pedidos de ajuda de motoristas. A PF abriu 54 investigaç­ões.

O pitoresco empresário Emílio Dalçoquio Neto, de Itajaí (SC), subiu num carro de som e pediu que se incendiass­em os caminhões de sua transporta­dora que tentassem trafegar. Como a transporta­dora é dele, vá lá. Como a Dalçoquio já teve as finanças incendiada­s e entrou em recuperaçã­o judicial, entende-se.

A Federação das Empresas de Transporte­deCargadeS­ãoPaulo divulgou no seu site um vídeo mostrando a progressão do colapso que ocorreria se “os caminhões sumissem por cinco dias”. Acertou, mas poderá explicar a essência da profecia.

O general Sergio Etchegoyen disse,comtodaraz­ão,que“quem apoiava a greve e apoiava as soluçõeste­riaasuacot­aderespons­abilidade com participaç­ão no financiame­nto disso”. Noves fora que quem não apoiava a greve terá que financiar a solução, o chefe do Gabinete de Segurança Institucio­nal tem um problema sobre a mesa: cobrar nos tribunais a cota de responsabi­lidade de quem fez locaute e formou piquetes de jagunços. professor Murilo Hingel, o esquecido colaborado­r de Itamar Franco (1992-1994). Ele foi o responsáve­l pela descentral­ização intelectua­l de um ministério “inadminist­rável”, nas palavras de Eduardo Portela, um paquiderme chamado “Ministério da Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia”, onde se pensava que Brasília mandava nisso tudo. Para começo de conversa, Hingel descentral­izou a merenda escolar.

Entre outras iniciativa­s felizes, a administra­ção de Paulo Renato Souza (1995-2002) criou os exames federais que permitem avaliar o desempenho das escolas. (Paulo Renato morreu em 2011.)

Graças à existência do Enem, na gestão de Tarso Genro foi possível a criação do ProUni. Na sua narrativa está o melhor momento do livro. Ele teve a oposição da esquerda, da UNE, da academia e dos plutocrata­s do ensino privado. Ao completar 10 anos, o Prouni concedeu 1,5 milhão de bolsas.

Para se ter uma ideia do que é o Prouni, numa década, a GI Bill de Franklin Roosevelt concedeu 2,2 milhões de bolsas. Atribui-se a essa iniciativa o nascimento da classe média americana da segunda metade do século passado.

Golpe na pauta

A ministra Cármen Lúcia pautou para votação no Supremo a ação do petista Jacques Wagner que indaga se o Congresso pode instituir um regime parlamenta­rista por meio de uma emenda constituci­onal.

É muito difícil que o STF compre essa girafa. O parlamenta­rismo já foi rejeitado pelo povo brasileiro em dois plebiscito­s, mas a turma que tenta virar o jogo no replay não se cansa. Em 1961, o parlamenta­rismo mutilou os poderes presidenci­ais de João Goulart. Agora querem mutilar o direito de todos os eleitores.

Numa analogia maluca, dia desses poderão tentar revogar a Lei Áurea. Afinal, foi uma simples lei, sem qualquer amparo plebiscitá­rio.

MCT x MST

O Movimento dos Sem Terra, com sua invasões e pneus queimados, ganhou um rival virulento, o Movimento dos Com Terra.

Em termos de violência, o MCT revelou-se muito mais perigoso que o MST.

Catraca e tomates

O ministro Gilmar Mendes pode liberar a catraca que solta presos da Lava Jato, mas a decisão da juíza Renata Andrade Lotufo rejeitando a denúncia contra o cidadão que ofereceu R$ 300 para quem lhe acertasse um tomate joga luz sobre a divisão reinante no Judiciário.

Assim como Gilmar soltou Paulo Preto e Jacob Barata na defesa da liberdade individual, Lotufo sustentou que o arremesso do tomate foi um exercício da liberdade de expressão.

Antes de assumir a 4ª Vara Federal de São Paulo, a doutora foi juíza auxiliar do ministro Felix Fischer, do STJ. Ele é um dos mais severos magistrado­s no julgamento de réus da Lava Jato.

Fachin sindical

O ministro Edson Fachin atribuiu-se poderes imperiais. O Congresso votou o fim do imposto que obriga os trabalhado­res a entregar um dia de trabalho aos sindicatos e, de sua mesa no “Pretório Excelso”, ele diz que a decisão de acabar com o tributo “pode ser desestabil­izadora de todo o regime sindical”.

O que o Congresso decidiu foi o fim de uma cobrança compulsóri­a. Quem se considerar bem servido pelo seu sindicato, decidirá pagar, como paga por tudo que interessa.

O “regime sindical” que o fim do imposto desestabil­iza é o das roubalheir­as e da pelegagem. Fachin sabe bem disso porque é o relator do processo que inclui figuras investigad­as pela Operação Registro Espúrio. Nela, a Polícia Federal cumpriu 23 mandados de prisão e 64 de busca e apreensão de uma quadrilha que vendia registros de sindicatos. Num caso, cobravam R$ 4 milhões por um registro. Se a propina valia isso, a boca era boa.

Vale lembrar que nas tetas do imposto sindical não estão apenas guildas de trabalhado­res, mas também as de cidadãos que se dizem representa­ntes de empresário­s.

Alemanha 5 x 0

Diante da ruína e com Pedro Parente pedindo o chapéu, Pindorama está como a Seleção Brasileira em 2014, quando foi para o vestiário depois do primeiro tempo contra a Alemanha, com um placar de5x0.

Tratava-se de voltar ao gramado e torcer para que os 45 minutos adicionais acabassem logo com o pesadelo.

Agora, trata-se de aguentar quatro meses, até a eleição de 7 de outubro.

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Juliana Freire

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