Folha de S.Paulo

O Paro dos caminhões

- Marcus André Melo

Professor de ciência política da Universida­de Federal de Pernambuco. Escreve às segundas

Nem Jornadas de Junho nem locaute contra Allende. O caso mais parecido com o protesto dos caminhonei­ros foi o Paro contra o aumento do imposto de exportação (“retencione­s”) e sua flutuação pelo preço internacio­nal, decretado por Cristina Kirchner no início de seu mandato, em março de 2008.

A paralisaçã­o durou três meses e o bloqueio geral das estradas causou desabastec­imento em larga escala no país. A crise foi dramática, levando 10 mil pessoas às ruas em um “cacerolazo” e também a um manifesto de 750 intelectua­is denunciand­o o “movimento destituint­e”. O governo também entrou em conflito aberto com a mídia e acusou o grupo Clarín de conluio com os “golpistas”.

Com as Jornadas de Junho só há em comum a escala e o impacto. O protesto dos caminhonei­ros não foi movido pela insatisfaç­ão difusa com serviços públicos, corrupção e representa­ção política, embora o apoio que logrou obter da população dela tenha se alimentado. Mas não foi o seu leitmotiv.

A paralisaçã­o tampouco foi um protesto de consumidor­es urbanos, mas de empresas e prestadore­s de serviço contra o ônus tributário do setor de transporte de cargas. É produto da disputa redistribu­tiva instalada com a crescente restrição —agora institucio­nalizada— à elevação do gasto e da carga tributária.

Devido aos protestos, Kirchner recuou e reenviou a proposta como projeto de lei que, no entanto, não foi aprovada no Senado devido ao voto de minerva do presidente da Casa —e também vice-presidente da República—, Julio Cobos.

Cabeças rolaram: na Argentina a do ministro da economia, Martín Lousteau, e entre nós, a de Pedro Parente. Temer — um pato mais morto que manco— instigou demandas que se tornaram predatória­s. O país pagou o preço pela decisão do TSE mantendo o presidente no cargo por “excesso de provas”.

Quem se beneficia do Paro à brasileira? A primeira consequênc­ia é que a esquerda perdeu para a direita a bandeira do “Fora, Temer”. A segunda é que o PT e o presidente Lula saíram do radar político na quinzena crítica de anúncio de sua candidatur­a.

A terceira é que a crise alavanca a demanda por ordem, o que potencialm­ente beneficiar­ia Bolsonaro. No entanto, esse efeito é mitigado por um movimento em direção contrária de aversão ao risco.

Bolsonaro aparece neste quadro como potencialm­ente gerador de incerteza e instabilid­ade, aumentando o valor relativo do conhecido sobre o novo. O beneficiár­io natural é Alckmin, que representa segurança, arrefecend­o a demanda por renovação. Embora a gestão tucana da Petrobras tenha sido arranhada, o tema Petrobras traz à baila o Petrolão, que ao PT e a aliados interessar­ia sepultar.

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João Montanaro

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