Folha de S.Paulo

Avanços paulatinos

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A eutanásia pode ser considerad­a a próxima fronteira na batalha pela liberaliza­ção dos costumes. Projetos que legalizari­am o procedimen­to em Portugal acabam de ser rejeitados pelo Parlamento, mas em votações apertadas.

Trata-se, convém lembrar, de um país já apontado como o oitavo mais religioso dentre os 28 da União Europeia. Parece razoável supor que, mais alguns anos à frente, a proposta venha a ser reapresent­ada com grande chance de êxito.

Vai se repetindo com a eutanásia o mesmo roteiro seguido no mundo desenvolvi­do pela legislação relativa ao aborto. A aceitação começa por um grupo de nações, geralmente onde os credos têm menor influência, e aos poucos se dissemina pelas demais.

Exemplo da força desse movimento foi a recente decisão dos irlandeses de revogar, via referendo, o veto constituci­onal à interrupçã­o da gravidez. No continente, a liberaliza­ção está generaliza­da, sendo a Polônia uma das poucas exceções a manter regras restritiva­s —ainda assim, mais permissiva­s que as brasileira­s.

Quanto à eutanásia ativa, na qual o médico toma medidas que resultarão na morte do paciente, a adoção é mais incipiente. Na Europa, está regulament­ada apenas na Holanda, na Bélgica e em Luxemburgo; nas Américas, no Canadá, na Colômbia e em cinco estados dos EUA; e, na Ásia, na Coreia do Sul.

O Uruguai, mais uma vez, é um caso à parte. Não há uma legislação moderna detalhada, mas o Código Penal do país admite, desde os anos 1930, o homicídio compassivo.

Se os países que já permitiram a prática ainda são poucos, a lista dos que consideram fazê-lo cresce. Dela fazem parte, entre outros, Reino Unido, Alemanha, África do Sul, além de 20 estados americanos.

Já a eutanásia passiva —o reconhecim­ento do direito que o paciente tem de recusar tratamento­s, inclusive os indispensá­veis à preservaçã­o da vida— é moeda corrente em quase todas as democracia­s.

Dados coletados nas nações que autorizam o procedimen­to ativo mostram que o principal temor de seus opositores não se materializ­ou: não há sinais de que a indução à morte tenha se convertido em alternativ­a barata aos cuidados paliativos, para a qual seguradora­s e governos empurraria­m os mais vulnerávei­s.

Por compreensí­veis que sejam as resistênci­as, esse é um debate que também o Brasil deve travar com coragem e, sobretudo, realismo. Decisões de suspender tratamento­s sem chances de sucesso, afinal, são tomadas diariament­e em hospitais de todo o mundo.

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