Folha de S.Paulo

Vampiro não tem mordomo

- Ruy Castro

Antonio Carlos Magalhães, ex-governador baiano, ex-senador, ex-ministro e ex-vivo, era bom de frases. Entre as que deixou, ficou célebre aquela sobre Michel Temer, em 1999, quando eles eram presidente­s das casas do Congresso — ACM, do Senado, e Temer, da Câmara— e, por algum motivo, viviam se ofendendo. Numa dessas, ACM disparou: “Não me impression­a sua pose de mordomo de filme de terror”.

Anos se passaram, e a opacidade de Temer sepultou a frase. Mas, então, veio o impeachmen­t de Dilma Rousseff e a frase foi exumada pelos petistas, revoltados com o homem que eles próprios tinham levado à vice-presidênci­a da República. Só que ela ressuscito­u errada. Na nova versão, Temer se tornou “mordomo de filme de vampiro” —a provar que eles, seus súbitos inimigos, não entendiam nem de Temer, nem de vampiro.

Vampiro não tem mordomo. Basta consultar o cânone do gênero, o romance “Drácula”, de Bram Stoker, publicado em 1897. No livro, Jonathan Harker, o advogado que o próprio conde Drácula convida a visitá-lo, chega ao castelo tarde da noite e não há ninguém para recebê-lo. O conde aparece e se desculpa por problemas com a criadagem —criadagem que nunca se vê. Magicament­e, há uma farta ceia à espera de Harker.

E é isso que me intriga. Drácula e todos os vampiros que se seguiram, na literatura e no cinema, nunca têm empregados —mas deveriam ter. Afinal, quem cozinha aqueles banquetes? Quem serve e tira a mesa? Quem lava os pratos e põe no escorredor? E quem lava e passa a ferro sua roupa de vampiro, principalm­ente as camisas de peitilho branco engomado, que não têm como não se manchar de sangue quando ele sai para jantar? Só pode ser o próprio Drácula, de avental e tudo.

Taí. Ao deixar a Presidênci­a, Temer poderia se candidatar a esse emprego de mordomo. Se ainda estiver no mercado, claro.

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