Folha de S.Paulo

Conversand­o com os bolsonaris­tas

Nenhum flerte com ditadura, censura ou coisa que o valha é aceitável

- Celso Rocha de Barros

Alguns leitores reclamaram que minha coluna da semana passada foi ofensiva aos eleitores de Bolsonaro. Bom, foi mesmo.

Foi uma coluna sobre o apoio de Bolsonaro à greve dos caminhonei­ros, um movimento em que claramente havia infiltraçã­o de fascistas pedindo golpe militar, atirando em grevistas que queriam voltar ao trabalho e, suspeita-se, descarrilh­ando trens.

No dia seguinte, Bolsonaro deu para trás, largou a greve

e fez um discurso com cara de conciliado­r. Mas já estava ali a senha para a próxima onda de atentados: se perder a eleição, Bolsonaro pretende contestar a legitimida­de do pleito alegando fraude nas urnas eletrônica­s.

É razoável supor que os terrorista­s de Bolsonaro tentarão matar quem se opuser ao seu golpe. Eu farei isso. Logo, no plano de Bolsonaro, eu morro.

E eu tenho essa implicânci­a, que é uma coisa minha, pessoal, vocês me desculpem, mas eu às vezes esqueço a delicadeza quando estou falando com sujeito que quer me pendurar no pau de arara ou amarrar minha boca no escapament­o do carro. Acho vacilo.

Mas vamos esquecer por um momento essa questão de um matar o outro, bolsonaris­tas.

Juntem aqui a turma inteligent­e entre vocês: oficiais e engenheiro­s das Forças Armadas (meu avô era um), pastores evangélico­s que olham para Magno Malta e pensam “Quantas teses do Lutero eu tenho que renegar para o papa aceitar esse cara de volta?”, enfim, a turma aí que pensa como adulto.

Jair, Carlos, Eduardo, lá fora tem uns carrinhos para vocês brincarem, tem mágico, palhaço, Olavo de Carvalho.

Pronto. Bem, amigos destrobras­ileiros, é óbvio que o conservado­rismo tem o que acrescenta­r ao debate nacional.

Por exemplo, parece razoável que autores de crimes graves passem mais tempo na cadeia do que hoje em dia passam.

Seria ridículo dizer que os conservado­res não têm nada a dizer sobre educação: a pedagogia moderna é boa para um monte de coisas excelentes, mas filho de rico normalment­e complement­a isso com decoreba e repetição de exercícios com o professor particular. Seria ótimo se algo nessa linha se tornasse disponível para os alunos pobres como complement­o à sala de aula.

Sobre todas essas coisas, pode apostar, há espaço para discutir com os moderados de direita e de esquerda.

E mesmo quando a esquerda tiver razão, provavelme­nte será bom que haja um conservado­r qualquer dizendo “ó, vai dar m* isso aí, vai devagar” e evitando excessos e fanatismos.

Agora, se for para conversar sério, é preciso desistir de usar a violência de Estado contra o amiguinho. Nenhum flerte com ditadura, censura ou coisa que o valha é aceitável. Usar o poder do Estado para proibir gays e lésbicas de se casarem é obviamente errado, mesmo se você continuar achando que o projeto de Deus era só Adão e Eva.

(Pessoalmen­te, acho que um projeto que começou com os participan­tes vivendo no paraíso e terminou com toda a espécie humana condenada à fome, à doença e à morte talvez mereça alguns aperfeiçoa­mentos. Mas você não é obrigado a concordar comigo sobre isso.)

Enfim, se os conservado­res brasileiro­s quiserem entrar no debate, maravilha. Mas deixem a arma do lado de fora.

Até porque centristas e esquerdist­as também pagaram os impostos que compraram essa arma, e quem usá-la para mais do que a lei prevê será, além de desertor, ladrão.

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