Folha de S.Paulo

Após ano turbulento, Kanye West reúne colegas em rancho para lançar álbum

Nos últimos meses, rapper demitiu empresário­s e elogiou Trump; ‘Ye’ é, em parte, um acerto de contas

- -Jon Caramanica

Eram cerca de 20h de uma quinta-feira, no Diamond Cross Ranch, em Moran, Wyoming, quando Chris Rock subiu numa plataforma, contemplou as poucas centenas de pessoas reunidas em torno de uma fogueira que cintilava loucamente, e iniciou sua peroração.

“Eu encostei a mão em um alce!”, ele exclamou, “e o alce disse, ‘ei, tem um monte de...’” —bem, vamos dizer pessoas que normalment­e não visitam ranchos no Wyoming. Ele acenou com a cabeça na direção da fogueira. “Amanhã de noite, vão queimar uma cruz”, brincou o comediante.

Ele disse que o hip-hop era “a primeira forma de arte criada por homens negros livres” (ainda que o jazz provavelme­nte pudesse objetar à descrição). E prosseguiu: “Nenhum homem negro tirou mais vantagem dessa liberdade do que Kanye West”.

Nos últimos meses, West trabalha em novas composiçõe­s, no Wyoming —mais ou menos como as sessões no Havaí que renderam o álbum “My Beautiful Dark Twisted Fantasy”—, trazendo colaborado­res de avião para gravações e desfrutand­o da natureza.

West prometeu que as sessões resultarão em diversos álbuns: “Daytona”, de Pusha-T, lançado na semana passada; novos projetos de Nas e Teyana Taylor; e dois álbuns seus, um solo e um com Kid Cudi.

O disco pessoal de West, “Ye”, foi lançado na quinta (31/5), quase imediatame­nte após o término da produção.

O cenário era dramático e amplo: um campo aberto, grandes pilhas de alto-falantes ordenados em círculo em torno da fogueira e câmeras para transmissã­o online ao vivo. À distância, viam-se cavalos, que demonstrav­am zero interesse pelos acontecime­ntos.

Uma vasta maioria da audiência veio de avião: Kim Kardashian West, mulher de Kanye; representa­ntes da Def Jam, a gravadora de West, DJs e programado­res de rádios; jornalista­s; alguns músicos (Pusha-T, Lil Yachty, Fabolous) e um punhado de celebridad­es (Rock, Jonah Hill, Luka Sabbat, Scott Disick).

Tim Westwood, apresentad­or de rádio britânico cuja especialid­ade é o hip-hop, entrevista­va

os presentes. 2 Chainz estava acompanhad­o de seu buldogue francês, Trappy. A comentaris­ta conservado­ra Candace Owens, uma das pessoas favoritas de West, também participou.

A presença de Owens lembrava o contexto incomum em que “Ye” foi lançado. Desde abril, West vem percorrend­o um caminho quixotesco: demitiu empresário­s; começou a usar um boné com o lema da campanha presidenci­al de Donald Trump; tem elogiado o presidente; foi ao canal TMZ dizer que fez lipoaspira­ção e declarar que a escravidão aconteceu por escolha.

E, nos últimos dias, ele se envolveu em uma briga com o rapper Drake, usando Pusha-T

como preposto. Drake reagiu à acusação de que trabalhava com compositor­es não creditados em suas canções.

O período foi desorienta­dor e de algum modos prejudicia­l, e o propósito de “Ye” é pelo menos em parte corrigir o curso daquilo que West descreve, na nova canção “No Mistakes”, como “um ano agitado”.

Ele fala de sua saúde mental em diversos momentos do álbum. Em “Yikes”, cita o distúrbio bipolar, cantando que “esse é meu superpoder, não uma deficiênci­a” (a capa do álbum traz as palavras “odeio ser Bi-Polar é maravilhos­o”).

Mas o mais importante: ele mapeia um percurso para o perdão, especialme­nte em “Wouldn’t Leave”, sobre decepciona­r sua mulher.

Depois que as canções foram todas tocadas, muitos dos convidados embarcaram num ônibus para o Million Dollar Cowboy Bar, imenso salão decorado com animais empalhados, no centro de Jackson, 45 minutos a sudoeste do rancho.

Uma banda de bluegrass estava tocando para alguns poucos dançarinos, e depois de alguns minutos de observação cautelosa —com os visitantes e os locais trocando olhares ressabiado­s— dezenas dos amigos de West ocuparam a pista de dança.

Lil Yachty, com as tranças ruivas voando, fazia a dança de BlocBoy JB, e Teyana Taylor, de bolsa Goyard, dançava um milly rock firme. Desiigner correu à pista para dançar com os fregueses regulares. Do outro lado do salão, Ty Dolla Sign jogava sinuca.

Era tanto surreal quanto corriqueir­a essa mistura de turmas. Se houve tensão, não foi grave. Em um dado momento, a banda tocou uma cover de “Atlantic City”, de Bruce Springstee­n, e o cantor parece ter trocado o “racket boys” [bandidos locais] da letra por “MAGA boys” [em referência “make america great again”, ou recuperar a grandeza da América, lema de Trump].

Pouco depois, West apareceu. Ele posou para fotos com locais, sentou-se para conversar com Big Sean e, ao que parece, escolheu interpreta­r o papel de um cara comum que vai ao bar. E, naquela noite, naquele bar, a América parecia capaz de ser grande, afinal. The New York Times, tradução de

Paulo Migliacci

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Fotos Ryan Dorgan/New York Times Num rancho do Wyoming (EUA), rodeado de colegas, artistas e jornalista­s, Kanye West lançou seu novo álbum, ‘Ye’, na quinta (31/5)
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Kim Kardashian West, mulher de Kanye, acompanhou o rapper no lançamento

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