Folha de S.Paulo

‘Ye’ tem menos pompa, porém atesta produção apurada e ouvido afiado de rapper

- -Alex Kidd

Kanye West. Gravadora: Getting Out Our Dreams II/Def Jam. R$ 30 “Eu odeio ser bipolar. É incrível.”

O aviso de Kanye West na capa de “Ye”, oitavo disco de estúdio do rapper, sintetiza os sentimento­s confusos dos seus fãs. É possível separar a mente por trás de álbuns geniais como “Graduation” (2007) e “Yeezus” (2013) do falastrão que disse ao site TMZ que a escravidão era uma “escolha”?

Os breves 24 minutos da obra não facilitam a resposta. Concebido após um desgaste mental do cantor, “Ye” abre com Kanye cantando sem remorsos “I Thought About Killing You”: “Os pensamento­s mais belos são sempre os mais obscuros”.

Em “Yikes”, ele cita Michael Jackson e Prince, vítimas do uso compulsivo de drogas prescritas. “Eles tentaram me alertar sobre meus demônios”, conta.

Os versos inflamados são potenciali­zados pela produção afiada de Mike Dean, Che Pop e Francis & The Lights (seus parceiros em “Yeezus” e “Life of Pablo”), que alinham o chororô de Kanye a beats sincopados e synths enérgicos.

A resiliênci­a da mulher, Kim Kardashian, após a polêmica entrevista ao TMZ, é reconhecid­a em “Wouldn’t Leave”: “Minha esposa me ligou gritando ‘Vamos perder tudo’ / Eu disse que ela poderia me deixar, mas ela não me deixou”.

É quando o rapper abaixa a guarda e o disco entra em faixas que bebem da soul music e remetem a “808s & Heartbreak”, seu trabalho mais meloso.

E, mesmo remando contra a maré anti-Trump endossada pela maior parte de seus pares, o artista ainda conta com amigos.

As parcerias por vezes surgem de forma mais tradiciona­l, como os rappers Ty Dolla e Valle rimando em “All Mine”, ou de modo inusitado, caso da voz de Nicki Minaj gravada numa secretária eletrônica em “Violent Crimes”, que encerra o disco. Curiosamen­te, nenhum deles aparece creditado.

Os ouvidos do Kanyeprodu­tor continuam infalíveis. “No Mistakes” sampleia os beats de “Hey Young World”, track de 1988 do rapper britânico Slick Rick. Em “Ghost Town”, o convidado Kid Cudi empresta a melodia de “Take me for a Little While”, gema dos anos 1960 nas vozes de Dave Edmunds e Dusty Springfiel­d.

“Ye” soa menos pomposo que “Life of Pablo” (2016) e “My Beautiful Dark Twisted Fantasy” (2010), mas é impossível ficar indiferent­e à sua produção impecável.

Você vai odiar este álbum. É incrível!

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil