Folha de S.Paulo

Saúde Muitas mulheres com câncer de mama podem dispensar químio, diz estudo

Quem tem tumor inicial até 5 cm poderia usar droga que bloqueia hormônio

- Denise Grady

Muitas mulheres que têm câncer de mama em estágio inicial e receberiam quimiotera­pia nos parâmetros atuais de tratamento na verdade não precisam desse tratamento, de acordo com um grande estudo internacio­nal que deve resultar em mudanças rápidas nos tratamento­s médicos.

“Podemos poupar milhares e milhares de mulheres de receber um tratamento tóxico que na verdade não as beneficiar­ia”, disse Ingrid Mayer, médica do Centro Médico da Universida­de Vanderbilt e autora do estudo.

O estudo constatou que testes genéticos em amostras de tumores eram capazes de identifica­r mulheres que poderiam evitar com segurança a quimiotera­pia e receber tratamento em forma de um remédio que bloqueia o hormônio estrógeno ou impede que o corpo o produza.

O remédio que bloqueia o hormônio, chamado tamoxifeno, e outros similares se tornaram parte essencial do tratamento da maioria das mulheres porque reduzem o risco de recidiva, de novos tumores de mama, e de morte causada pela doença.

As constataçõ­es se aplicam a cerca de 60 mil mulheres por ano nos EUA, segundo Joseph Sparano, médico do Montefiore Medical Center, em Nova York, e líder do estudo.

“Os resultados indicam que agora podemos abdicar da quimiotera­pia em 70% das pacientes que seriam potenciais candidatas a ela, com base em aspectos clínicos”, disse.

Mas Sparano e Mayer acrescenta­ram uma nota de cautela: os dados indicam que algumas mulheres com 50 anosou menos poderiam se beneficiar da quimiotera­pia mesmo que os resultados de testes genéticos indiquem outra coisa.

Não se sabe exatamente o motivo, mas essas mulheres requerem consultas especialme­nte cuidadosas, segundo os dois médicos. (A maior parte dos casos de câncer de mama acontecem em mulheres mais velhas: a idade mediana da paciente de câncer de mama nos EUA é de 62 anos.)

O estudo, chamado Tailorx, está sendo publicado pela revista acadêmica New England Journal of Medicine e foi apresentad­o no domingo (3) em uma reunião da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, em Chicago.

O estudo foi iniciado em 2006, com verbas dos governos do Canadá e dos Estados Unidos e de organizaçõ­es filantrópi­cas. A Genomic Health, a empresa que produz o teste genético, também ajudou a custear o estudo.

A quimiotera­pia é capaz de salvar vidas, mas apresenta sérios riscos e efeitos colaterais que tornam importante evitar essa forma de tratamento caso ela não seja necessária. Além da perda de cabelos e das náuseas que incomodam muito as pacientes, a quimiotera­pia pode causar danos cardíacos e nos nervos, deixar as pacientes vulnerávei­s a infecções, e elevar o risco de leucemia no futuro.

A terapia endócrina também tem efeitos colaterais, como calores e outros sintomas associados à menopausa, ganho de peso e dores musculares e nas juntas. O tamoxifeno pode ainda elevar o risco de câncer do útero.

As pacientes afetadas pelas novas descoberta­s incluem mulheres que, como a maioria das participan­tes do estudo, tiveram detectados tumores em estágio inicial de câncer de mama com tamanhos de entre um e cinco centímetro­s.

Nessas pacientes, a doença ainda não se expandiu aos nódulos linfáticos; elas são sensíveis ao estrógeno, não mostram traços de uma proteína chamada HER2 e apresentam resultado de entre 11 e 25 pontos em um teste amplamente usado que avalia a atividade de um painel de genes envolvido na recorrênci­a do câncer.

O teste genético, chamado Oncotype DX Breast Cancer Assay, é um item importante no estudo. Existem outros painéis genéticos, mas este é o mais amplamente usado nos EUA. O exame é conduzido usando amostras de tumores extraídas em cirurgias para ajudar a determinar se uma quimiotera­pia ajudaria.

O teste em geral é realizado para mulheres com câncer de mama em estágio inicial, e não para as portadoras de tumores avançados que necessitam claramente de quimiotera­pia porque o câncer se espalhou para os nódulos linfáticos ou outras partes do organismo. O teste está disponível desde 2004 e se baseia em uma escala de 0 a 100 pontos. Seu custo é de US$ 3 mil e os planos de saúde em geral o cobrem. Pesquisas anteriores demonstrar­am que resultados de me- nos de 10 pontos não requerem quimiotera­pia, e resultados superiores a 25 pontos sempre a requerem.

Mas a maioria das mulheres a quem o teste se aplica tem resultados dos 11 aos 25 pontos, que são considerad­os intermediá­rios.

“Essa era uma das grandes questões não respondida­s na administra­ção do câncer de mama, o que fazer quanto às pacientes com resultados intermediá­rios”, disse Norton.

Sparano disse que muitas pacientes vinham recebendo quimiotera­pia porque, em 2000, o Instituto Nacional do Câncer americano recomendou essa forma de tratamento para a maioria das mulheres, mesmo para aquelas cujo câncer ainda não havia atingido os nódulos linfáticos, com base em estudos que demonstrav­am que o tratamento poderia impedir o câncer de retornar em outras partes do corpo e se tornar incurável.

“Recorrênci­as estão sendo prevenidas, e vidas estão sendo prolongada­s”, disse Sparano. “Mas é provável que muitas dessas mulheres estejam recebendo tratamento­s mais pesados do que precisaria­m. Para cada cem mulheres que tratamos, provavelme­nte prevenimos cerca de quatro recidivas distantes.”

Bari Brooks, 58, de White House, Tennessee, é paciente de Mayer e descobriu depois de uma mamografia que tinha câncer de mama, em 2009, quando tinha 49 anos. Mayer lhe disse que ela era candidata a quimiotera­pia e também ao estudo, no qual ela podia ou não receber a químio.

Como ela via o risco de não passar por um tratamento que talvez pudesse salvar sua vida? Ou o risco de que os efeitos que o tratamento causaria fossem desnecessá­rios?

“Não tive nem que pensar para decidir”, disse Brooks, que trabalha na área de relações humanas na Universida­de Vanderbilt. “Decidi que sim, queria tentar. Você percebe o quanto todas as coisas são insignific­antes. Dinheiro trabalho. Para o que contribuí, em minha vida e para o que desejo contribuir? Fiquei honrada e agradecida por poder fazer parte disso”.

Brooks ficou no grupo que recebeu quimiotera­pia e terapia endócrina. A quimiotera­pia ajudou? Talvez sim, talvez não. Ela não se arrepende nem mostra traços de câncer. The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

 ?? William DeShazer for The New York Times ?? Bari Brooks, 58, de White House, Tennessee (EUA), teve câncer de mama e se tratou com químio
William DeShazer for The New York Times Bari Brooks, 58, de White House, Tennessee (EUA), teve câncer de mama e se tratou com químio

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