Em 1ª fala após prisão, Lula critica denuncismo
Ex-presidente foi ouvido em processo sobre compra de votos para Olimpíada
O ex-presidente Lula afirmou ontem à Justiça Federal que o país vive um momento de “denuncismo” e que está “cansado de mentiras”. Foi a primeira declaração pública do petista desde sua prisão, em abril.
Ele é testemunha de defesa do ex-governador Sérgio Cabral em ação que apura propina na escolha do Rio como sede da Olimpíada de 2016.
O ex-presidente Lula afirmou nesta terça-feira (5) em depoimento à Justiça Federal que o país vive um momento de “denuncismo” e que está “cansado de mentiras”. Foi a primeira declaração pública do petista desde que foi preso, há quase dois meses.
Ele depôs como testemunha de defesa do ex-governador Sérgio Cabral (MDB) na ação penal que apura suposto pagamento de propina a membros do COI (Comitê Olímpico Internacional) para a escolha do Rio de Janeiro como sede da Olimpíada de 2016.
“Lamento que venha uma denúncia de corrupção de compra de delegado [do COI] oito anos depois. Não sei quem fez a denúncia, não quero saber. Não conheço. Como estamos vivendo num momento de denuncismo, em que muita gente…”, disse o petista, antes de ser interrompido pelo juiz Marcelo Bretas.
Ao longo do depoimento, o magistrado evitou permitir que Lula fizesse discursos de ataque à Justiça. No início do depoimento, Bretas fez o comunicado de praxe em que avisa a testemunha de que ela é obrigada a falar a verdade.
“O meu compromisso é com a verdade. Não acredito que hoje no Brasil tenha um brasileiro que anda em busca da verdade mais do que eu. Estou cansado de mentiras. Quero a verdade”, disse o ex-presidente, sendo interrompido pela primeira vez por Bretas.
O magistrado, que se referiu ao ex-presidente como “senhor Luiz Inácio” ao longo da audiência, também prestou reverência ao ex-presidente ao fim do depoimento.
Declarou que o petista era “uma pessoa importante para o Brasil” e comentou que esteve num comício de Lula na avenida Presidente Vargas.
“É relevante a sua história para todos nós. Para mim, inclusive, que aos 18, 17 anos estava aqui num comício na avenida Presidente Vargas com 1 milhão de pessoas. Vivíamos um momento diferente no país. Estava lá, usando boné e camiseta com o seu nome”, disse Bretas, em referência à eleição de 1989.
“Quando fizer um comício agora, eu vou chamar o senhor para participar”, respondeu Lula, para riso dos presentes à audiência.
Lula falou de dentro da Superintendência da Polícia Fe- deral em Curitiba, onde está preso desde abril.
O petista vestia o mesmo terno e a mesma gravata que usou no dia da vitória da cidade brasileira em Copenhague.
Minutos antes do depoimento, Lula procurou demonstrar bom humor. “Estou bonito, hein. Essa gravata é da conquista das Olimpíadas”, disse, ao se ver no vídeo.
“Carrego ela até ficar desmontada”, disse o ex-presidente sobre a gravata verde, amarela e azul-marinho.
Antes do depoimento gravado, Lula pôde falar com Bretas. O juiz arriscou um chiste neste momento.
“Não fala mal de mim que eu estou ouvindo, hein.”
“Eu sei. Estou com microfone aqui na frente”, disse Lula.
O ex-governador Sérgio Cabral assistiu pessoalmente ao depoimento. Antes do início da audiência, o emedebista pôde conversar rapidamente com o ex-presidente para prestar condolências pela morte de Marisa Letícia, em fevereiro do ano passado.
“Estava preso quando dona Marisa faleceu. Presidente, meu abraço ao senhor e meus sentimentos pelo falecimento de dona Marisa. Um abraço meu, da Adriana e dos meus filhos”, disse. Cabral está pre- so desde novembro de 2016.
“Obrigado, Sérgio”, respondeu o petista.
Lula negou que tenha ocorrido compra de voto de membros do COI, como acusa o Ministério Público Federal. O expresidente relatou como abordou chefes de Estado e eleitores do comitê.
“Eu não sei qual o critério do cidadão que diz que foi trapaça [a escolha do Rio de Janeiro]. Esse cidadão não deve saber nada. O ambiente no COI era de muita seriedade”, declarou o ex-presidente.
O MPF acusa Cabral, o expresidente do COB (Comitê Olímpico do Brasil) Carlos Arthur Nuzman e o ex-diretor da entidade Leonardo Gryner de ter pago US$ 2 milhões (cerca de R$ 7 milhões) ao senegalês Lamine Diack. Há a suspeita de que outros membros do COI tenham recebido valores.
O ex-presidente afirmou que era natural o apoio de delegados africanos à candidatura brasileira na ocasião.
“A África apoiar o Brasil era quase uma coisa óbvia. O Brasil era o país mais próximo da África. Eu viajei 34 vezes para a África, visitei 29 países, abri 19 embaixadas na África. Isso dava aos africanos quase uma irmandade com o Brasil”, afirmou ele.
O meu compromisso é com a verdade. Não acredito que hoje no Brasil tenha um brasileiro que anda em busca da verdade mais do que eu. Estou cansado de mentiras. Quero a verdade
Eu não sei qual o critério do cidadão que diz que foi trapaça [a escolha do Rio]. Esse cidadão não deve saber nada Luiz Inácio Lula da Silva ex-presidente, em depoimento
É relevante a sua história para todos nós. Para mim, inclusive, que aos 18, 17 anos estava aqui num comício na avenida Presidente Vargas com 1 milhão de pessoas [...], usando boné e camiseta com o seu nome Marcelo Bretas juiz federal, dirigindo-se a Lula