Em SP, 1/4 dos que transam com outro homem tem HIV
Entre jovens de 15 a 19 anos do país, taxa de infecção triplicou; medo menor da Aids e queda no uso de camisinha podem explicar nova onda
Estudo do Ministério da Saúde revela que 25% dos homens que fazem sexo com homens na cidade de São Paulo têm o vírus HIV. Em todo o Brasil, na faixa de 15 a 19 anos, a taxa de infecção triplicou. Mudanças comportamentais ajudam a explicar a alta.
Um a cada quatro homens que fazem sexo com homens no município de São Paulo tem o vírus HIV, revela pesquisa feita em 12 cidades brasileiras encomendada pelo Ministério da Saúde.
Em 2011, outro estudo realizado no centro da capital havia apontado uma prevalência de 15% nesse grupo. Mas, como envolveu metodologia diferente, não é possível comparar os dois trabalhos.
Publicada da revista internacional “Medicine”, a nova pesquisa entrevistou 4.176 homens de 11 capitais e Brasília, de modo a representar todos os extratos sociais.
Desses, 3.958 aceitaram fazer o teste do HIV, com 18,4% de resultados positivos. A pesquisa anterior, de 2009, com a mesma metodologia, encontrou prevalência de 12,1%.
“É um número altíssimo. São vidas e vidas em risco”, diz Lígia Kerr, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) que coordenou ambos os trabalhos.
No grupo entrevistado, 83,1% se declaram gays, 12,9% heterossexuais ou bissexuais e 4% outros. Do total, 75% transam só com homens.
O estudo usou de uma metodologia americana que recruta pessoas-chaves para serem entrevistadas e testadas. Essas, por sua vez, indicam outras pessoas com o mesmo perfil e assim por diante.
Cada participante fez dois testes de HIV. Metade dos participantes foram testados pela primeira vez na vida.
O crescimento também é visto na Europa e nos EUA. “Já se fala em segunda onda da Aids”, diz Ligia.
Entre as hipóteses estão a falta de campanhas preventivas. Sem verbas, várias ONGs que antes faziam ações preventivas foram fechadas.
As campanhas públicas também minguaram. “Foi uma pressão muito grande da bancada conservadora. Cartilhas sobre sexualidade foram proibidas de ser distribuídas nas escolas. Foram vetadas propagandas de TV. É como se a Aids tivesse desaparecido.”
Mudanças comportamentais que incluem a busca de parceiros sexuais por aplicativos e o uso menor de camisinha também contribuem.
A pesquisa apontou que en-
tre 15 e 19 anos, a taxa de soropositivos no país triplicou (de 2,4 para 6,7 casos por 10 mil habitantes). Entre 20 e 24 anos, o índice dobrou (de 15,9 para 33,1 casos por 100 mil).
Segundo Lígia, os jovens iniciam a vida sexual sem nada que os lembre sobre a Aids.
Para Mario Scheffer, professor do departamento de saúde preventiva da USP, é preciso promover uma alfabetização das novas gerações e reinventar a prevenção.
“Aquela história de falar ‘use camisinha e faça o teste’, não funciona mais. São novos modos de vida, de espaços de sociabilidade. Antes havia uma adesão maior a recomendações comunitárias. Agora faz parte das novas gerações uma individualização das normas.”
Segundo ele, são necessárias estratégias customizadas de prevenção. “Nem todos os
jovens gays são iguais.”
Dados do Ministério da Saúde mostram que quase metade dos jovens entre 15 e 24 anos não usa camisinha com parceiros eventuais.
Para o estudante de direito Matheus Emílio Pereira da Silva, 22, da ONG Pela Vidda, os jovens tendem a achar que a infecção nunca vai acontecer com eles. “Aconteceu comigo. Relaxei na prevenção”, diz ele, que começou vida sexual por volta dos 16 anos e, aos 18, estava infectado pelo HIV.
Ao saber do resultado do teste, ele afirma que demorou uma semana para contar aos pais. “Minha mãe reagiu de forma mais tranquila porque já sabia dos avanços do tratamento. Meu pai achou que eu já ia morrer”, lembra.
Hoje, Silva faz um trabalho virtual e presencial de orientação e prevenção sobre o HIV. “Ainda há desinformação sobre prevenção e estigma.”
Para Ligia, tem havido uma banalização da Aids no mundo todo. “As pessoas acham que tem cura, você toma remédio e acabou. O tratamento salva vidas, mas não é trivial.”