Folha de S.Paulo

‘Pela honra de Deus’

Desde a crise dos caminhonei­ros nada aconteceu de bom com a empresa

- Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a”

A policial militar que ficou famosa por matar ladrão a tiro diante de escola em Suzano (SP) estuda concorrer a deputada federal. “Se me candidatar, Ele tem a ver com isso”, diz a evangélica Katia Sastre.

A Petrobras arruinou-se no mandarinat­o petista por diversos motivos. Deles, o mais pueril foi a retórica da arrogância. Infelizmen­te, dela e do governo têm partido declaraçõe­s destinadas a iludir a boa-fé do público fingindo desconhece­r a barafunda criada pela política de preços dos combustíve­is. Podiam ficar só nisso.

A retórica da arrogância foi exercitada à exaustão pelos petrocomis­sários. Basta que se recapitule um caso. Em 2012, um funcionári­o da companhia holandesa SBM denunciou suas maracutaia­s internacio­nais. Elas foram confirmada­s por uma investigaç­ão interna que resultou numa indenizaçã­o milionária ao governo holandês.

Sabia-se, pela denúncia, que a SBM teria distribuíd­o pelo menos US$ 139 milhões a intermediá­rios e hierarcas da estatal brasileira para azeitar contratos de aluguel de plataforma­s.

Dois anos depois, uma equipe da Petrobras foi à Holanda verificar o caso e anunciou-se que nada acontecera de anormal. Engano, pois a SBM começaria a negociar um acordo de leniência com a Controlado­ria Geral da União. Até hoje ele não foi concluído.

Entre 2012 e 2015 foram para a cadeia o ex-diretor Renato Duque e o ex-gerente Pedro Barusco, ambos mimados pela SBM. O representa­nte da empresa no Brasil, Julio Faerman, passou a colaborar com a Justiça e repatriou US$ 54 milhões.

Varrida pela Lava Jato, a doutora Dilma colocou na Petrobras Aldemir Bendine, que estava no Banco do Brasil. Ele levou consigo para uma diretoria Ivan Monteiro. Num dos lances grotescos do período, Bendine chegou a anunciar que a Petrobras “talvez” voltasse a contratar serviços e equipament­os da SBM, “uma importante fornecedor­a”. Como, não explicou.

A retórica da arrogância era um pastel de vento. Não havia como esconder a roubalheir­a denunciada em 2012, e em 2015 não era possível contratar a SBM para coisa alguma.

Na segunda-feira, o repórter Rubens Valente revelou que em 2016 o diretor Ivan Monteiro foi investigad­o pela Comissão de Valores Imobiliári­os.

Tratava-se de um caso de omissão de comunicado de fato relevante ao mercado. Monteiro propôs pagar R$ 200 mil à CVM, e em setembro passado fechou-se o caso. O ervanário não saiu do seu bolso, mas da seguradora que ampara a diretoria da empresa. (O ex-diretor financeiro da Petrobras durante o mandarinat­o petista fez pelo menos quatro acordos desse tipo, somando R$ 1,75 milhão.)

Exposto o caso de Monteiro com a CVM, a Petrobras tocou o velho realejo: “não houve qualquer condenação da CVM ou reconhecim­ento de culpa de parte do senhor Ivan Monteiro, tendo a autarquia concordado com celebração de termo de compromiss­o, procedimen­to utilizado e previsto em nome, aplicável ao caso”.

Noves fora o mau português, ninguém havia dito que Monteiro foi condenado, nem que reconheceu culpa. Apenas deixou de fazer o que devia. Tanto foi assim que propôs pagar R$ 200 mil à CVM, com dinheiro da seguradora. Ninguém dá R$ 200 mil à Viúva a troco de nada.

O escritor mexicano Octavio Paz ensinou, faz tempo: “Quando uma sociedade se corrompe, a primeira coisa que se decompõe é a linguagem.”

Nas próximas quatro quartas-feiras, o signatário exercitará o ócio.

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