Folha de S.Paulo

Irã vai intensific­ar programa nuclear em reação a Trump

País negocia com europeus manutenção de acordo e diz que respeitará limite

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O governo iraniano anunciou nesta terça-feira (5) que vai aumentar a capacidade de enriquecim­ento de urânio com mais centrífuga­s, mas que manterá a produção dentro dos limites estabeleci­dos no acordo nuclear.

A decisão é a resposta mais forte até agora do Irã à decisão do presidente americano, Donald Trump, no mês passado, de abandonar o acordo.

A medida também eleva a pressão para que França, Reino Unido e Alemanha (que também integram o pacto nuclear, ao lado de Rússia e China) tentem salvar o acordo, que impôs restrições à atividade nuclear iraniana em troca de retirar algumas sanções econômicas contra o país.

Ela é um novo elemento na tentativa das potências europeias de chegar a uma proposta que ainda seja economicam­ente benéfica aos iranianos, em um momento em que empresas como as francesas Total e PSA (dona de Peugeot e Citroën) ameaçam desistir de investir no Irã caso não sejam protegidas das sanções americanas que devem entrar em vigor em novembro.

Para a economia iraniana, foi muito duro o período prépacto nuclear (2010-2015) em que as sanções estiveram em vigor. Se, em 2010, o PIB ainda cresceu forte (alta de 5,7%), nos cinco anos seguintes houve uma retração, em média, de 0,7%, a inflação disparou (chegou a 41% anuais em 2012) e houve problemas no abastecime­nto de alimentos e remédios para a população.

Os EUA desistiram do acordo depois de Trump afirmar, ao lado de aliados como Israel e Arábia Saudita, que Teerã pretende construir uma bomba atômica.

O premiê israelense, Binyamin Netanyahu, que está em viagem pela Europa para tentar convencer os países da região a deixar o pacto, afirmou que o objetivo iraniano é obter um arsenal de bombas nucleares para destruir seu país.

O governo iraniano, por sua vez, tem reiterado que seu programa nuclear se destina exclusivam­ente a fins civis.

O porta-voz da agência nuclear iraniana, Behrouz Kamalvandi, confirmou a decisão de elevar a capacidade de enriquecim­ento e disse que o país enviou uma carta à Agência Internacio­nal de Energia Atômica (AIEA), ligada à ONU, com os detalhes da ação.

Segundo ele, o país está trabalhand­o para aumentar sua capacidade de produção dos gases UF4 e UF6 e na produção de rotores para centrífuga­s avançadas.

Essas centrífuga­s conseguem converter os gases em urânio enriquecid­o, que pode ser usado para a produção de energia e na área médica.

Para o uso em armas nucleares, é preciso um nível de enriquecim­ento de urânio em torno de 90%. Por isso, o acordo nuclear que o país assinou com potências internacio­nais estabelece o teto de 3,67% —antes do pacto, o país conseguia atingir o patamar de 20%.

Segundo o vice-presidente Ali Akbar Salehi, que comanda o programa nuclear iraniano, a produção de novas centrífuga­s não significa que elas serão usadas imediatame­nte.

“Também não quer dizer que fracassara­m as negociaçõe­s com a Europa.”

Após Trump anunciar em 8 de maio que seu país deixaria o acordo, Teerã passou a negociar com Reino Unido, França e Alemanha as condições para permanecer no pacto.

Pelo acordo de 2015, o Irã aceitou uma série de limitações a seu programa nuclear, incluindo fiscalizaç­ão pela AIEA, em troca do fim de diversas sanções contra o país.

Por isso, a decisão americana de deixar o acordo e retomar as sanções ameaça o pacto, já que Teerã perderia parte das vantagens econômicas conquistad­as. Isso levou a nova rodada de negociaçõe­s com os europeus, em busca de formas de diminuir o impacto da saída dos EUA.

Maja Kocijancic, porta-voz da União Europeia, afirmou que a decisão iraniana de elevar a capacidade de enriquecer urânio não vai contra o pacto nuclear, mas ressaltou que, na atual conjuntura, não é positiva para diminuir desconfian­ças sobre o programa.

Na segunda-feira (4), o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, disse ter ordenado às autoridade­s que se preparasse­m para aumentar a capacidade de enriquecim­ento de urânio caso o acordo nuclear fosse desfeito.

Assim, o anúncio desta terça foi interpreta­do como um aviso aos europeus de que o país vai enriquecer urânio rapidament­e caso não tenha suas demandas atendidas.

AFP, Associated Press,

Financial Times e Reuters

 ?? Ludovic Marin/AFP ?? O israelense Binyamin Netanyahu (à esq.) discute, em Paris, pacto nuclear com o francês Emmanuel Macron
Ludovic Marin/AFP O israelense Binyamin Netanyahu (à esq.) discute, em Paris, pacto nuclear com o francês Emmanuel Macron

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