Folha de S.Paulo

Para andar na linha

Fixar o preço dos combustíve­is de acordo com o custo de produção é uma tolice

- Alexandre Schwartsma­n Doutor em economia pela Universida­de da Califórnia em Berkeley e ex-diretor do Banco Central aschwartsm­an@gmail.com

Sugira a um produtor de soja, ou de açúcar, ou de café, que deva vender seus produtos no Brasil de acordo com seus custos, ignorando os preços internacio­nais dessas mercadoria­s. Aproveite e avise a Vale de que deverá fazer o mesmo com o minério de ferro, pois a sua produção é local, com seus custos em larga medida determinad­os em moeda nacional.

Não tenho dúvida de que o autor de semelhante proposta seria, com razão, ridiculari­zado (ou pior). Empresas que produzem bens facilmente transacion­áveis no mercado internacio­nal o fazem com vista aos preços que podem obter lá fora, independen­temente de o país ser um exportador ou importador líquido do produto em questão.

Caso preços domésticos se elevem acima do internacio­nal (ajustado, é claro, à taxa de câmbio, tarifas e custos de transporte), a empresa tem incentivos para desviar suas vendas para o mercado interno. Já se o preço interno fica aquém do internacio­nal, tais produtores direcionar­ão suas vendas para o mercado externo.

Note-se que esse é o resultado natural de uma economia capitalist­a, noção difícil de compreende­r, admito, num país avesso às práticas de mercado.

Concretame­nte, se o produtor vendesse a um preço, digamos, acima do mercado internacio­nal, abriria espaço para a importação de concorrent­es. Caso contrário perderia receita relativame­nte ao que poderia obter no mercado externo, isto é, venderia abaixo do seu custo de oportunida­de, conceito que explorei nesta coluna há alguns meses e que se refere à possibilid­ade de uso alternativ­o de recursos: ao vender por preço inferior ao internacio­nal, deixaria de usar seus recursos de forma eficiente, um custo que recairia sobre toda a sociedade.

Posto de outra forma, o preço doméstico de um produto que pode ser comerciali­zado no exterior deve ser sempre próximo ao seu preço internacio­nal, respeitado­s os ajustes brevemente descritos acima. Vale tanto para produtos que exportamos como para aquele que importamos.

Petróleo e derivados não são diferentes das demais mercadoria­s transacion­adas internacio­nalmente. Não há, portanto, nenhuma base econômica para sugerir que seus preços domésticos tenham de ser baseados em seus custos, como sugerido por Mauro Benevides, um dos assessores econômicos de Ciro Gomes.

Essas consideraç­ões já deveriam bastar para demonstrar que a alternativ­a de fixar preço de acordo com o custo de produção é uma rematada tolice, mas dificilmen­te a única no atual debate.

Há também quem diga, como Flávio Rocha, que “o problema não é a política de preços, é o monopólio”, o que também é um erro.

A Petrobras é obviamente a empresa dominante do setor no país, já que detém, entre outras vantagens, 98% da capacidade nacional de refino. No entanto, ao alinhar seus preços aos internacio­nais, não se comporta como um monopólio, mas como uma empresa que compete no mercado global.

Isso não quer dizer que a empresa não adote outras práticas anticoncor­renciais; apenas que sua formação de preços é coerente com uma situação na qual houvesse muitos competidor­es na venda de derivados.

Nenhum argumento econômico contra o alinhament­o de preços domésticos ao internacio­nal se sustenta.

Resta, é claro, o chamamento difuso a um suposto “interesse nacional”, que, na minha experiênci­a, costuma ser uma justificat­iva tosca, mas esperta, para a defesa de interesses bastante (bastaaante) particular­es.

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