Folha de S.Paulo

Pará vê matança entre facções, milícias e grupo de extermínio

Região metropolit­ana de Belém tem média de seis mortes violentas por dia

- Luís Adorno e Kleyton Amorim

belém (pa) Voltando de diligência em dois bairros periférico­s de Belém, capital do Pará, um delegado da Divisão de Homicídios pega um celular que acabara de sinalizar a chegada de uma mensagem de um investigad­or no WhatsApp: “Quando este aqui toca, é só desgraça”, disse, pessimista, sem entrar em detalhes da ocorrência. Era fim da manhã de quarta-feira (16).

O delegado, que não quis se identifica­r por motivos de segurança, voltava dos bairros periférico­s de Guamá e Terra Firme, controlado­s por uma facção criminosa ligada ao Comando Vermelho, do Rio, que paga para receber segurança de milicianos locais, segundo investigaç­ões da Polícia Civil e do Ministério Público.

Dez minutos depois, um promotor militar, que está ameaçado de morte, alertou a reportagem sobre o que havia acontecido: “Morreu um homem dentro de um supermerca­do de Umarizal”. O bairro é um dos mais nobres da desigual Belém. “Tem caracterís­tica de execução. De grupo de extermínio”, complement­ou. Até a publicação desta reportagem, a motivação do crime continuava sendo investigad­a.

A situação exemplific­a o dia a dia da segurança em Belém e na região metropolit­ana neste ano. Há, em média, seis mortes violentas por dia, contando homicídios, latrocínio­s (roubos seguidos de morte) e suspeitos mortos pela polícia. No ano passado, a média estava em 5,6 mortes.

Os motivos para tanto sangue? Segundo as investigaç­ões, o estado enfrenta uma disputa entre facções por Belém, além da atuação de grupos de extermínio e de milícias ligadas a policiais.

Os próprios agentes de segurança, que tentam combater o crime durante o serviço, ficam vulnerávei­s e se tornam alvos na folga. No meio disso, está a população.

Com o sexto pior índice de desenvolvi­mento humano entre as capitais do Brasil, segundo do IBGE de 2010, Belém tem a área central com apartament­os que podem custar até R$ 1,5 milhão. Em menos de dez minutos de carro a partir dali, é possível chegar a bairros da periferia, onde há ruas de barro, palafitas e o domínio do crime organizado, que ameaça trabalhado­res e trabalhado­ras caso colaborem com as forças de segurança.

Segundo a Polícia Civil, há cinco facções criminosas em Belém e que atuam justamente nos bairros mais pobres: o Comando Vermelho (que se aliou a pequenas facções existentes há anos no Pará), a FDN (Família do Norte), a PGN (Primeira Guerrilha do Norte), o PCC (Primeiro Comando da Capital), de São Paulo, e o CCA (Comando Classe A).

Na última década, Belém passou a ter um contexto fundamenta­l e estratégic­o para o tráfico nacional e internacio­nal de drogas, porque a cocaína que entra no Brasil a partir dos povos andinos, pela chamada “Rota dos Solimões”, atravessa a Amazônia, passando pelo rio de mesmo nome, até chegar à capital paraense e ser distribuíd­a para Sul e Sudeste do país, além de África e Europa, segundo o pesquisado­r Aiala Colares, da Uepa (Universida­de Estadual do Pará), que estuda o contexto.

Em paralelo, as investigaç­ões concluíram que existe no estado a presença de grupos de extermínio, que agem exclusivam­ente para vingar mortes de policiais. presídios, seja em saídas temporária­s ou em definitivo;

3) Milícia do contraband­o: colabora com o contraband­o local em troca de dinheiro;

4) Milícia do transporte coletivo: domina o controle de transporte­s alternativ­os, como vans, na periferia. Aqueles que não usam o serviço viram alvo dos milicianos.

Segundo o delegado Carlos André Viana da Costa, diretor da Divisão de Homicídios, as milícias mais perigosas são a da segurança e a do tráfico.

“A milícia do tráfico de drogas, por uma razão óbvia: de ter um concorrent­e ligado ao Comando Vermelho. E a milícia da segurança armada porque, nas áreas onde eles atuam, eles não permitem tráfico, roubos e furtos. E a pena para esse tipo de casos, quando identifica­dos os criminosos, é a morte”, afirmou.

De janeiro a abril de 2017, houve 520 homicídios em Belém e região metropolit­ana, contra 535 no mesmo período de 2018: um aumento de 3%.

Em paralelo, houve 71 latrocínio­s (roubos seguidos de morte) nos primeiros meses deste ano, ante 85 ano passado: redução de 18%.

O caso que chamou a atenção do Brasil para a violência do Pará este ano, porém, não entra nas estatístic­as acima.

Em abril, 22 detentos do presídio semiaberto de Americano morreram numa suposta tentativa de resgate de presos. O incidente está contabiliz­ado como morte em decorrênci­a de intervençã­o policial. Esse tipo de caso subiu 51% este ano (foram 107 mortos pela polícia nos quatro primeiros meses de 2018 contra 71 no ano passado).

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Bruno Santos - 12.abr.18/Folhapress Corpo de jovem assassinad­o dentro de sua casa em Ananindeua, na região metropolit­ana de Belém

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