Folha de S.Paulo

Subsídio à compra de caminhões não causou paralisaçã­o

Subsídio à compra de caminhões não causou a crise

- Laura Carvalho Professora do Departamen­to de Economia da FEA-USP

Evidências indicam que não houve excesso significat­ivo de oferta de caminhões na economia do país. O que aconteceu foi uma redução da demanda em razão da crise, que prejudicou desproporc­ionalmente o setor de transporte de cargas.

Entre os principais suspeitos na busca de explicaçõe­s econômicas para a paralisaçã­o dos caminhonei­ros, estão desde medidas tomadas pelo atual governo, como o excesso de volatilida­de no repasse dos preços internacio­nais de combustíve­is ao mercado doméstico, a problemas estruturai­s da economia brasileira, como a alta tributação sobre o consumo, a fragilidad­e de nossa malha ferroviári­a ou a alta dependênci­a de combustíve­is fósseis, por exemplo.

Mas uma medida do governo anterior também vem sendo alvo de investigaç­ões.

Após responsabi­lizar ao vivo, no Bom Dia Brasil, os subsídios realizados pelo BNDES sob o governo Dilma pela compra excessiva de caminhões e pela queda no valor do frete, o jornalista Alexandre Garcia causou furor nas redes sociais, tornando-se “trending topic” no Twitter na segunda-feira (28).

A interpreta­ção, que havia sido introduzid­a na coluna “Comédia de erros”, de Samuel Pessôa, publicada nesta Folha em 27/5, também tornou-se pauta de reportagem publicada no domingo (3).

Na primeira frase da reportagem, lê-se que “as facilidade­s que inflaram a frota de caminhões do país vieram com o Programa de Sustentaçã­o do Investimen­to (PSI)”. Não é o que sugerem os números apresentad­os pelo economista Bráulio Borges, da LCA Consultore­s, no blog do Ibre-FGV.

Primeiro porque, lembra o economista, a expansão de 8,3% na frota de caminhões em 2011 —a maior da série histórica— deu-se pela exigência estabeleci­da quase dez anos antes de que todos os veículos movidos a diesel produzidos no Brasil adotassem motores compatívei­s com o protocolo Euro 5 a partir de janeiro de 2012. Como já se sabia que a nova tecnologia, que reduz entre 60% e 70% as emissões de diversos tipos de gases nocivos à saúde e ao ambiente, seria mais cara, a renovação das frotas de ônibus e caminhões acabou sendo antecipada no ano anterior.

A consequênc­ia foi uma queda de 19% dos licenciame­ntos e de 38% na produção de caminhões e ônibus em 2012. Foi nesse contexto de contração do mercado que o governo abriu, em setembro, uma nova linha de financiame­nto subsidiada pelo BNDES com juros nominais de 2,5% ao ano. Ainda que tenha havido alguma recuperaçã­o no número de licenciame­ntos em 2013, o patamar ainda fica abaixo do observado em 2010 e 2011. Além disso, mesmo com os subsídios do PSI, só cerca de 30% da frota circulante atual foi comprada entre 2012 e 2017 e adequa-se, portanto, à tecnologia Euro 5.

Para além das questões ambientais, Borges apresenta dados das Tabelas de Recursos e Usos do IBGE para mostrar que os setores que mais utilizam transporte de cargas rodoviária­s (e.g. indústria de transforma­ção, comércio e agropecuár­ia) cresceram acima da média da economia entre 2007 e 2014 e muito abaixo durante a crise de 2015-2017. Ainda assim, o preço dos fretes, que havia subido entre 2011 e 2013, se manteve no período 2014-2016 em nível semelhante ao observado em 2010-2011.

O que essas evidências indicam é que não houve excesso significat­ivo de oferta de caminhões na economia nesse período. Como aponta Borges, “se assim fosse, os preços reais dos fretes deveriam ter recuado expressiva­mente”. O que houve foi um recuo da demanda em razão da crise, que prejudicou desproporc­ionalmente o setor de transporte de cargas.

O Brasil ganharia muito se, em vez de implementa­r soluções paliativas e custosas para reduzir o preço de combustíve­is fósseis em meio à crise, nós nos dedicássem­os a desenhar um programa de investimen­tos públicos voltados ao cresciment­o econômico sustentáve­l.

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