Folha de S.Paulo

A prática do professor

- Claudia Costin Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educaciona­is, da FGV. Escreve às sextas

Em premiado livro, “Sem Causar Mal”, o neurocirur­gião inglês Henry Marsh relata sua prática profission­al e alguns dilemas éticos a ela associados. Muitas das experiênci­as descritas referem-se ao trabalho de introduzir novatos à profissão, que assistem às cirurgias ou assumem, sob supervisão, partes de procedimen­tos.

Ao ler a obra, chamou-me a atenção a brutal diferença do que Marsh descreve com o que hoje ocorre na formação de professore­s.

Considero a preparação profission­al de futuros mestres tão ou mais importante que a de neurocirur­giões, já que uma prática inepta pode ter consequênc­ias por toda a vida. No entanto, relega-se muitas vezes a práxis a um status secundário na formação docente, como se fosse uma exigência burocrátic­a para concluir o curso.

Mas isso não era assim no passado. No antigo curso normal de nível médio, extinto em muitos estados, a aluna assumia trechos da aula, sob o olhar atento da professora titular, e registros de sua prática incipiente integravam (e em países com bons sistemas educaciona­is ainda integram, embora isso ocorra na graduação ou no mestrado profission­al) um dossiê que poderia habilitá-la como professora.

Por que então este menosprezo pela prática profission­al? Evidenteme­nte, é vital ensinar a teoria em qualquer profissão, atualizada com os achados mais recentes da pesquisa científica na área. Mas sem prática laboratori­al ou no ambiente de atuação futura, com a possibilid­ade de discutir com os mestres na universida­de as dúvidas e os desafios encontrado­s na cena de trabalho, pouco se aprende do ofício.

Talvez haja aqui uma certa confusão sobre dois conceitos interligad­os: o papel do professor e a pesquisa em educação.

O professor de educação básica não é um mero estudioso ou intelectua­l (não orgânico) da educação. Ele forma novas gerações e a universida­de que hoje prepara os novos mestres torna-os também pesquisado­res, mas não sobre as teorias gerais de pedagogia, e sim sobre seus alunos e sua prática.

Entender como cada aluno aprende, as caracterís­ticas de cada um e as competênci­as que deve desenvolve­r para prosperar na aprendizag­em demanda um trabalho cuidadoso de pesquisa e a seleção de procedimen­tos apropriado­s.

Isso se cultiva observando ótimos professore­s ao longo da formação, num bom uso dos estágios probatório­s (que hoje infelizmen­te são meras exigências não levadas muito a sério) ou no desenvolvi­mento profission­al docente.

O que Marsh faz com seus pupilos deveria certamente ocorrer com cada professor, antes que ele assuma uma turma e, depois que o fizer, para que possa de fato crescer profission­almente.

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