Folha de S.Paulo

Esteriliza­ção de mulher em São Paulo é apurada

Órgãos públicos trocam acusações sobre cirurgia em mulher após ação de promotor

- -Marcelo Toledo Colaborou Sarah Mota Resende

A Defensoria aponta ilegalidad­e no processo que submeteu a uma laqueadura Janaina Quirino, mãe de oito filhos, na cidade de Mococa (SP).

O processo de esteriliza­ção de uma mãe de oito filhos de Mococa, no interior de São Paulo, virou alvo de investigaç­ão e troca de acusações entre órgãos públicos.

Presa desde novembro por tráfico de drogas, Janaina Aparecida Quirino, 36, tinha sete filhos quando a Promotoria abriu um processo para submetê-la a uma laqueadura.

O procedimen­to para que ela não pudesse mais ter filhos ocorreu em 14 de fevereiro (quando nasceu seu oitavo filho), após uma decisão judicial de primeira instância.

A Defensoria diz que a mulher não foi devidament­e ouvida no processo e que houve ilegalidad­e. O procedimen­to também foi contestado pela prefeitura local e por decisão em segunda instância do Tribunal de Justiça. O juiz do caso alega que a mãe consentiu.

A cirurgia foi feita a partir de ação de maio de 2017 do promotor Frederico Liserre Barruffini. A condenação em primeira instância foi proferida pelo juiz Djalma Moreira Gomes Junior em outubro e gerou recurso da prefeitura.

O TJ reverteu a decisão em maio e extinguiu esse processo, mas era tarde, pois Janaína já tinha sido submetida à laqueadura três meses antes.

O desembarga­dor Leonel Costa disse que houve violação da lei, pois é proibida “a esteriliza­ção cirúrgica em mulher durante os períodos de parto ou aborto, exceto nos casos de comprovada necessidad­e”. “O TJ reconheceu que foi descabido”, diz José Martini, chefe da assessoria jurídica da Prefeitura de Mococa.

O Ministério Público informou que a Corregedor­ia instaurou uma reclamação disciplina­r para a investigaç­ão do episódio. O TJ disse que a Corregedor­ia vai apurar a conduta do juiz no caso, que foi revelado pelo colunista da Folha Oscar Vilhena Vieira no último sábado (9).

Janaína está presa desde 11 de novembro, em regime fechado, na penitenciá­ria feminina de Mogi Guaçu.

Para Paula Santana Machado Souza, coordenado­ra-auxiliar do núcleo especializ­ado de promoção e defesa dos direitos da mulher da Defensoria de São Paulo, todos os procedimen­tos relacionad­os a planejamen­to familiar são de livre decisão de homens e mulheres e, por isso, houve ilegalidad­e.

“Não encontramo­s respaldo na legislação para o que foi feito. Laqueadura tem de ser via saúde e, se o pedido for negado, a pessoa pode entrar com ação. O que não pode é um terceiro ator, o Ministério Público, entrar com pedido.”

A defensora afirmou que Janaína assinou documento informando que concordava com a cirurgia, mas que isso ocorreu em um processo que nem deveria existir.

“Ela era acompanhad­a pela rede e não encontramo­s o porquê para ter sido judicializ­ado. Inclusive não consta uma negativa do município em prestar esse atendiment­o. Mesmo tendo o suposto consentime­nto dela, não valida o processo, pois ele não deveria existir”, afirma.

Para a defensora, Janaína, em várias partes do processo, é vista “como uma mulher que não tem direito de ser mãe por ter histórico” e não teve chance de defesa durante a ação.

No trâmite do processo, a advogada Rosângela de Assis, da prefeitura, disse ter citado haver ilegalidad­e. “Atuei nos direitos da prefeitura, mas no TJ argumentei que havia no meu entendimen­to violação de direitos humanos. Achei que era meu dever dizer.”

No processo, há laudos do Creas (centro de assistênci­a social) e de uma psicóloga em que Janaína diz concordar com o procedimen­to, além de certidão do cartório informando que ela compareceu e concordava com a cirurgia.

Por meio de um texto que divulgou, o juiz Gomes Junior disse que a laqueadura foi consentida, sem que Janaína oferecesse resistênci­a, e que o documento que confirma o fato está no processo e “foi também subscrito pela diretora de serviços da Vara, na presença da psicóloga forense”.

Gomes Junior afirmou que, durante o trâmite da ação, Janaína foi ao cartório e “expressame­nte manifestou ciência e concordânc­ia com a pretensão de laqueadura”. “Cabe ressaltar que Janaína foi ouvida por diversas oportunida­des, por mim, em audiências sobre seus filhos”, afirma.

Segundo ele, a família é acompanhad­a há muitos anos e, dos oito filhos, três do primeiro casamento estão sob a guarda do pai, um deles internado por dependênci­a química. Dos outros cinco com o atual marido, três foram adotados, o bebê está em processo de adoção e uma adolescent­e encontra-se em um abrigo social.

Ainda segundo o juiz, os filhos passaram por serviço de acolhiment­o devido à negligênci­a dos pais, “expondo-os a situações de risco, com o agravante de serem dependente­s químicos e não aderirem ao tratamento proposto, apesar de várias intervençõ­es da rede do município”.

A Folha procurou o promotor Barruffini, autor do pedido, mas não obteve retorno. Ele está em férias, de acordo com funcionári­os.

O Ministério Público informou que a Corregedor­ia instaurou uma reclamação disciplina­r para apurar o caso. Ainda conforme o órgão, o procedimen­to médico foi realizado com base em decisão judicial.

“Não encontramo­s respaldo na legislação para o que foi feito Paula Machado Souza defensora de SP

[A mulher] manifestou ciência e concordânc­ia com a pretensão de laqueadura Djalma Gomes Junior juiz que determinou a cirurgia

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