Folha de S.Paulo

Estilista defende ‘homem aberto’ que renuncia ao logotipo

Diretora criativa da Hermès, Véronique Nichanian ajuda a derrubar códigos que engessam moda masculina

- Pedro Diniz Frazer Harrison - 9.mar.17/Getty Images/AFP

De 30 anos para cá a moda masculina passou de uma cartilha restrita, composta por costume de trabalho e conjunto de calça e camisa para fim de semana, a um mundo colorido de novas proporções. A francesa Véronique Nichanian, 64, pode se gabar de ter colaborado para essa abertura.

Em três décadas à frente do comando das coleções masculinas da Hermès, completada­s neste ano, essa mulher de riso fácil e estilo sóbrio colaborou para derrubar ideias como a de que homem só deveria usar azul, preto e cinza.

Suas coleções são um híbrido de inovação têxtil, traduzida em tecidos texturizad­os e mesclas de materiais, e estampas posicionad­as pontualmen­te sobre o corpo.

Não há nem sombra dos logotipos que fazem a cabeça de parcela do público fashionist­a, porque Nichanian não estaria, segundo ela mesma diz, falando a homens que precisam de marcas para se expressare­m.

Chamada pelo setor de “alta sacerdotis­a da moda masculina”, Nichanian falou à Folha horas antes de seu desfile mais recente na semana de moda masculina de Paris, em janeiro.

Na passarela, ela criou um corredor tomado por fogueiras, entre as quais passearam looks que remetiam às linhas do horizonte da paisagem escocesa e exaltavam o principal ativo da marca, o couro. Leia a entrevista.

Limitações

Não é verdade que a moda masculina seja limitada. A diferença é que, na feminina, as expressões têm de ficar mais evidentes, frontais.

Para os homens, pensamos mais em proporções certas, nos ombros e na silhueta, e em tecidos. Nos últimos dez anos, conseguimo­s explorar mais os diferentes tipos de homens, de uma maneira mais criativa, sem limitações de julgamento­s externos, como acontecia no século passado.

Os homens são muito diferentes entre si, mas costumam comprar uma única peça, não usam um conjunto total de uma única marca, porque respeitam a própria personalid­ade. Quando desço para o andar da loja, vejo homens de 17 anos em diante buscando elementos como lenço, sapato e casaco para compor um estilo.

Fashion x tradição

A noção de tradição é muito diferente para cada homem. Para uns, significa o costume clássico, para outros, a precisão da técnica e os detalhes da roupa.

Não faço fashionism­o, coisas de que você gosta por seis meses, até ir atrás de outra coisa no semestre seguinte.

Isso acontece por uma questão comercial e entendo que, para os jovens, o tempo é uma preocupaçã­o, de estar sempre buscando algo novo. Mas meu trabalho é fazer peças que durem por muito tempo.

Gosto da ideia de criar roupas que durem 50 anos sem sair de moda. É outra atitude, que não quer dizer que não seja fashion, mas que não muda tão rápido no tempo do mercado. Não crio contra o tempo, mas para o tempo.

Comportame­nto

Entrei na moda masculina porque se encaixava com a minha concepção de trabalho, de trabalhar a perfeição dos tecidos, das formas e das cores.

Quando comecei na [grife] Cerruti [em 1976], havia a noção de que um homem sério deveria vestir costume para trabalhar e roupa casual para a sexta-feira. Se ele usasse estampa ou uma jaqueta [com padronagem] tartan, logo as pessoas o julgavam, diziam ‘ah, esse é arquiteto’ ou outra profissão vinculada à arte.

Hoje, você pode usar uma camiseta e ser um homem de negócios de sucesso. Para os ingleses, por exemplo, isso era inconcebív­el um tempo atrás.

Essa segmentaçã­o, ainda bem, não existe mais. Muito porque os homens estão mais confiantes, e a sociedade está mais aberta a reconhecer que ele pode explorar seu lado feminino sem preterir o masculino.

Conservado­rismo

Não acho que a ascensão de um conservado­rismo político vá influencia­r a moda, porque hoje há muito mais informação, e as pessoas têm o próprio julgamento sobre os fatos, não se deixam influencia­r tão facilmente.

Antes, dizia-se que homem precisava casar, vestir gravata para trabalhar. Havia muitos códigos a serem seguidos.

O casual e esporte convivem com novos materiais e posso, por exemplo, transforma­r conjuntos de ginástica em roupas para o dia sem que o homem seja visto como excêntrico.

Criação do luxo

O luxo é uma mistura de beleza e técnica, de explorar um mundo de materiais bonitos, inovação e tecnologia [têxtil].

Grande parte dos designers de moda feminina olham para a mesma direção, utilizam as mesmas expressões e códigos de um mesmo mundo, então prefiro criar a partir de uma visão personalis­ta.

Mantenho a criativida­de porque sou curiosa, viajo muito, analisando a arquitetur­a e a influência que tem na forma como as pessoas se vestem. Tenho a sorte de trabalhar numa grife que valoriza o detalhe e falar para um homem que não precisa usar um logo para se sentir confiante.

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Véronique Nichanian, 64, em desfile da Hermès em Paris
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À esq., look de outonoinve­rno 2018-2019 da Hermès, com inspiração na paisagem escocesa; abaixo, à esq. look do verão 2015; à dir., de inverno 2009 da grife Piero Biasion - 20.jan.17/Xinhua
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Patrick Kovarik -28.jun.14/AFP François Guillot - 19.jan.08/AFP
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