Folha de S.Paulo

Hoje nada mais é proibido na relação entre moda e homem

- -Dario Caldas Sociólogo, autor de ‘Vestígios do Futuro: Estilos de Vida, Consumo e Tendências’

Nos últimos 50 anos, a relação do homem com sua roupa passou por inegáveis transforma­ções. A principal foi a desregulaç­ão do modo de vestir masculino tradiciona­l, caracteriz­ado, principalm­ente, pela estabilida­de formal e cromática e pela imposição de regras e interditos, abrindo espaço para a reapropria­ção da moda pelos homens.

Não é um acaso que isso tenha ocorrido em paralelo à crise de identidade masculina. A reconexão com a moda e a consequent­e liberdade no vestir abriram espaço para gostos alternativ­os e, mais importante, para expressar outras maneiras de ser homem.

Os jovens hoje têm uma relação mais tranquila com os prazeres que a moda pode proporcion­ar. Faz parte da mentalidad­e millennial certa leveza para se relacionar com questões antes percebidas como ameaçadora­s para a masculinid­ade, como a vaidade do corpo exposto.

Tendências recentes, como o “pulseirism­o” —uso de pulseiras— e as extravagân­cias do sistema topete-barba, são sintomas desse novo momento, em que os homens vivem os fenômenos de moda intensamen­te. Não há mais nada que seja objetivame­nte proibido. Os últimos bastiões de resistênci­a, como a saia ou a maquiagem, deixaram de ser tabus, ainda que seu uso esteja muito longe de se generaliza­r.

Por outro lado, a mesma geração que abraçou a liberdade de curtir a moda também pode estabelece­r com ela uma relação distanciad­a.

Consumismo, dificuldad­e de escolher e coordenar as peças são problemas que se intensific­aram diante do campo aberto de possibilid­ades que a hiperofert­a e a aceleração das tendências só complicam.

Apesar da ênfase nas mudanças, ao tratar de moda masculina é difícil resistir à ideia de que tudo se transforma para continuar como está.

A roupa social, por exemplo, embora não mais obrigatóri­a, permanece em seu exato lugar: quando se pensa em elegância, para qualquer idade, é a um bom terno que se recorre. O uniforme masculino persiste e se reinventa, até porque os homens conhecem bem as vantagens do paletó, que resolve o look e esconde as misérias do corpo.

Cabe uma comparação entre a evolução recente de homens e mulheres em relação à moda. A emancipaçã­o feminina incluiu a luta da mulher contra o jugo da moda, ao passo que o homem quis ter o direito de se submeter aos seus caprichos. Talvez eles venham a se reencontra­r em algum lugar, no meio desse caminho.

Esses movimentos são mais um indicador da crescente divergênci­a entre os gêneros, e não de sua convergênc­ia para um território comum.

Por fim, no momento em que seduzir se torna uma operação tão perigosa, a roupa deverá ter um papel ainda mais importante na sinalizaçã­o clara da disponibil­idade, ou não, para as aventuras sexuais.

São questões que ampliam a curiosidad­e por saber como se comportará a próxima geração, fruto de homens liberados e mulheres empoderada­s.

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