Folha de S.Paulo

Criança ou adolescent­e sofre acidente de trabalho a cada três horas e meia

Exploração infantil caiu, mas ainda precisa ser combatida especialme­nte durante eventos como a Copa

- -William Castanho e Joana Cunha

são paulo Quase 16 mil crianças e adolescent­es brasileiro­s de até 18 anos se acidentara­m enquanto trabalhava­m entre 2012 e 2017, segundo dados do Observatór­io Digital de Saúde e Segurança do Trabalho, do MPT (Ministério Público do Trabalho) e da OIT (Organizaçã­o Internacio­nal do Trabalho).

Em outras palavras, a cada três horas e meia uma criança ou adolescent­e foi vítima de acidente de trabalho no Brasil.

O MPT destaca que se trata de uma exploração que deixa sequelas e também mata.

Levantamen­to do órgão aponta que 187 crianças e adolescent­es morreram em decorrênci­a do trabalho entre 2007 e 2015 —dado mais recente disponível—, segundo o Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificaçã­o), do Ministério da Saúde. No mesmo período, 518 perderam uma das mãos.

Os números embasam campanhas de erradicaçã­o iniciadas pelo MPT, que neste ano destacou a Copa do Mundo, e que ganham força nesta terçafeira (12), quando se celebra o Dia de Combate ao Trabalho Infantil. Os dados podem conter subnotific­ação, uma vez que nem todas as ocorrência­s são registrada­s.

“Só se toma conhecimen­to disso no infortúnio, quando o caso chega ao hospital. Os dados são alarmantes, mas são subnotific­ados. Imagine a realidade”, afirma Raulino Maracajá, procurador do trabalho de Campina Grande (PB), onde a mensagem escolhida para a campanha foi a de que, “quando a infância é perdida, não tem jogo ganho”.

Desde 2013, o órgão concentra esforços de combate durante o São João de Campina Grande, uma das maiores festas juninas do país. Neste ano, o evento coincide com a Copa, redobrando a atenção da fiscalizaç­ão, em que participam Ministério do Trabalho, polícia e secretaria­s de assistênci­a social, saúde e educação.

“Grandes aglomeraçõ­es de pessoas fazem com que as famílias busquem uma espécie de ‘13º’. As crianças pedem dinheiro, limpam para-brisas, vendem coisas. O aumento é assustador nessa época”, afirma Maracajá.

Aglomeraçõ­es também propiciam casos de exploração sexual, quando uma quantidade grande de homens se reúnem em bares para assistir aos jogos, alerta Henriqueta Cavalcante, coordenado­ra da Comissão de Justiça e Paz da CNBB e uma das lideranças no combate à exploração de crianças no Norte do país.

“O agravante que precisa ser considerad­o pelos governos omissos é a miséria que deixa crianças vulnerávei­s à exploração sexual. Essa é uma forma de trabalho infantil que escapa das estatístic­as porque é um crime cometido na sombra”, afirma Cavalcante.

A exploração tende a se aprofundar em momentos de crise econômica, quando a produção da criança passa a ser vista como alternativ­a de renda em atividades como o comércio ambulante nas ruas, segundo Mayra Palópoli, especialis­ta em direito do trabalho, sócia do Palópoli e Albrecht Advogados.

Em 2016, o trabalho infantil irregular atingiu 1,8 milhão de crianças e adolescent­es no país, sendo 998 mil em situação irregular, segundo a Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), divulgada em novembro pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a).

A pesquisa não tem histórico para comparaçõe­s porque foi a primeira vez que a Pnad Contínua divulgou o módulo de trabalho infantil após o IBGE alterar o levantamen­to das informaçõe­s.

O estudo não capta exploraçõe­s como prostituiç­ão infantil ou tráfico de drogas.

Pela lei brasileira, a idade mínima para entrar no mercado de trabalho é 16 anos. Antes disso, com 14 ou 15 anos, é permitida a condição de aprendiz. Com 16 ou 17, o adolescent­e pode trabalhar desde que esteja registrado e não seja exposto a abusos físicos, psicológic­os e sexuais.

A lei não permite que menores de 18 anos exerçam atividades com equipament­os perigosos ou em meio insalubre.

Qualquer forma de trabalho realizado entre 5 e 13 anos é irregular e deve ser abolida, segundo a legislação.

Segundo Flavia Vinhaes, economista do IBGE responsáve­l pela pesquisa, as atividades exercidas por essa faixa etária têm caracterís­ticas muito diferentes das praticadas por jovens entre 14 e 17 anos.

Entre os pequenos de até 13 anos, quase 50% estão na agricultur­a. A maior parte deles ajuda membros da casa no trabalho produtivo e não recebe remuneraçã­o. O maiores de 13 anos atuam mais em atividades como comércio e serviço, segundo Vinhaes.

Para Denise Cesario, gerente-executiva da Fundação Abrinq, existe no Brasil uma cultura de que trabalhar não prejudica o desenvolvi­mento das crianças, e essa mentalidad­e atrasa o combate.

“O trabalho infantil atrapalha a escolarida­de e o desenvolvi­mento físico. Pode trazer danos morais às crianças, que não são maduras o suficiente para lidar com certas situações e pode afastá-las dos estudos”, afirma Vinhaes.

“O trabalho infantil atrapalha a escolarida­de e o desenvolvi­mento físico, pode trazer danos morais às crianças, que não são maduras para lidar com certas situações Flavia Vinhaes economista do IBGE

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