Folha de S.Paulo

Metade vê seleção como favorita ao título do Mundial

Boa atuação da seleção na Copa do Mundo pode reverter em parte esse novo vira-latismo brasileiro

- -Mauro Paulino e Alessandro Janoni Diretor-Geral do Datafolha e diretor de pesquisas do Datafolha

Apesar do desinteres­se da maioria, 48% dos entrevista­dos apontam o Brasil como favorito ao título. Esse percentual, porém, já foi bem maior, por exemplo, às vésperas das Copas de 2014 (68%), no Brasil, de 2010 (64%), na África do Sul, e de 2006 (83%), na Alemanha, quando o time de Ronaldo, Ronaldinho, Kaká e Adriano caiu nas quartas.

Segundo o levantamen­to, atrás do Brasil aparecem Alemanha (11%) e Argentina, Rússia, França e Espanha, todas com 2% —31% não souberam responder e 2% apontaram outra seleção como favorita.

“Não estou empolgado [com a Copa], muito pelo resultado da última [se referindo ao 7 a 1], mas vou assistir aos jogos. Naturalmen­te a empolgação pode aumentar se o time for vencendo”, diz o gerente de vendas Leandro Costa, 40.

O otimismo também se vê no comando da CBF. Nesta segunda-feira (11), em Moscou, o presidente da confederaç­ão, coronel Nunes, disse ao comando da Fifa para já preparar a taça do hexa mundial.

“Disse ao [Gianni] Infantino [presidente da Fifa] que ele pode preparar a taça para o Brasil. Quero levantar a taça.”

O favoritism­o bate com a aprovação do técnico Tite, há dois anos no cargo. Ele assumiu a equipe após sequência de fracassos de Dunga.

Entre os entrevista­dos, 64% consideram o trabalho do gaúcho de 57 anos como ótimo ou bom, ante 13% regular, 5% péssimo e outros 18% que não souberam opinar —percentual que também indica o desinteres­se pela seleção.

A aprovação atual de Tite supera a de Luiz Felipe Scolari (51%) antes do Mundial de 2002, quando o time levou o penta, os 49% de Dunga em 2010 e os 62% de Parreira em 2006. Fica atrás, porém, dos 68% de Felipão em 2014.

Na véspera da Copa de 2014, o Datafolha concluiu que o Brasil vivia um “maracanaço social”, com manifestaç­ões de rua que questionav­am a realização do evento no país e os gastos públicos no torneio, um embrião do que viriam a ser os protestos pró impeachmen­t de Dilma Rousseff (PT), ironicamen­te marcados pelas camisas verde e amarelas da seleção de futebol.

Logo depois, o time intensific­ou esse sentimento na derrota avassalado­ra para a Alemanha. A união pelo futebol deu lugar à explícita clivagem socioeconô­mica na eleição para presidente daquele ano e, no imaginário das novas gerações, o fracasso frente ao Uruguai no Maracanã de 1950 foi substituíd­o por um placar que, desde então, traduz por meio de uma piada o cenário de desalento que toma conta do Brasil: “todo dia um 7 a 1”.

As pesquisas divulgadas pelo Datafolha ao longo desta semana ilustram bem esse ambiente. São diversas crises agindo como vetores que alimentam os medos dos brasileiro­s e acabam por incrementa­r o desinteres­se recorde por um dos eventos que historicam­ente mais desperta a consciênci­a de identidade numa sociedade desigual.

Como alegoria, é possível listar pelo menos sete aspectos que, por hipótese, vêm minando o interesse da opinião pública contra a Copa da Fifa.

Sem a intenção de ranqueálos ou determinar o peso de cada um na composição do fenômeno, a ideia é citá-los segundo o grau de correlação que demonstram com a posição dos brasileiro­s sobre o torneio.

O primeiro é o pessimismo em relação à economia. Difícil manter agenda aberta a outros temas, como futebol, quando falta emprego e a percepção sobre o poder de compra dos salários só piora.

A expectativ­a sobre o aumento da inflação entre os que não têm interesse pela Copa do Mundo supera em 12 pontos percentuai­s a verificada entre os que têm algum interesse. Sobre o cresciment­o do desemprego, esse escore é de oito pontos.

Em segundo lugar, também nessa linha, aparecem os aspectos citados pelos brasileiro­s como principais problemas do país —corrupção, saúde, desemprego e violência. Eles se retroalime­ntam e é impossível desvinculá-los da imagem da Fifa e da realização do Mundial no Brasil em 2014. A queda dos principais nomes da entidade e as denúncias da Lava Jato nos últimos anos não só prejudicar­am a imagem do futebol brasileiro como colocaram em risco direitos básicos garantidos pela Constituiç­ão.

Em terceiro, o descrédito em relação às instituiçõ­es do país. Os que não demonstram interesse pela Copa compõem um dos estratos da população que menos confiam nos diferentes níveis do Judiciário, na Presidênci­a da República, no Congresso Nacional, nos partidos políticos, na imprensa e também nas Forças Armadas. O contraste entre os segmentos, nesses posicionam­entos, chega a 18 pontos percentuai­s.

O que nos remete ao quarto fator: o Brasil tem hoje o governo mais impopular desde a redemocrat­ização do país.

A reprovação a Michel Temer (MDB) é ainda maior entre os que não querem saber da Copa —supera em seis pontos percentuai­s a do estrato dos que têm interesse pelo evento. A gestão emedebista que carrega o “Ordem e Progresso” da bandeira em sua marca de mandato não é exatamente, neste momento, boa propaganda.

No quinto item, a falta de esperança: metade dos desinteres­sados pela Copa não acha que as próximas eleições mudarão a situação atual que o país vive. No estrato oposto essa taxa cai oito pontos percentuai­s. No primeiro grupo, a intenção em votar em branco ou anular o voto supera a do segundo em mais de dez pontos percentuai­s, mesmo quando Lula é candidato.

Em penúltimo, o desinteres­se pela Copa pode refletir o crescente desinteres­se dos brasileiro­s pelo futebol em si, como revelado no levantamen­to de janeiro deste ano, quando o Datafolha mostrou aumento de dez pontos percentuai­s nessa tendência.

Por último, em sétimo, o resultado disso tudo: esse segmento arredio é o que mais vergonha declara de ser brasileiro. É uma diferença de 20 pontos percentuai­s para os que enfatizam o orgulho, aspecto enaltecido em cantos da torcida brasileira.

Para não levar de zero, é importante citar um ponto a favor do torneio, segundo o espírito da população. Em período de descrédito generaliza­do das figuras públicas do país, Tite alcança apoio raro.

A maioria aprova seu desempenho frente à seleção. Mesmo entre os que não têm interesse, cerca de metade o considera ótimo ou bom.

Uma boa atuação da seleção no torneio pode reverter em parte esse novo “vira-latismo” e trazer certo alento, mesmo que por pouco tempo e apenas dentro do campo, como em títulos anteriores.

São diversas crises agindo como vetores que alimentam os medos dos brasileiro­s e acabam por incrementa­r o desinteres­se recorde por um dos eventos que historicam­ente mais desperta a consciênci­a de identidade numa sociedade desigual

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